Jordi Savall garantiu no Porto que vai votar na consulta sobre a independência da Catalunha

O fundador do grupo de música antiga Hespèrion, que actua esta terça-feira na Casa da Música, recusou há dias o Prémio Nacional de Música, acusando os sucessivos governos de Madrid de “desinteresse pelo património musical espanhol”.

Foto
Jordi Savall Enric Vives-Rubio

No dia em que o Governo da Catalunha anunciou que iria manter a consulta informal sobre a independência da região, marcada para domingo, o músico catalão Jordi Savall afimou esta terça-feira na Casa da Música do Porto, onde actua esta noite com o seu grupo Hespèrion XXI, que “ninguém pode impedir uma comunidade de querer saber o que [ela própria] pensa”.

Savall, uma figura central no campo da música antiga, como instrumentista e director musical, mas também como investigador e divulgador, referia-se à nova decisão do Tribunal Constitucional espanhol, que a pedido do Governo de Madrid, e depois de ter proibido no final de Setembro o referendo oficial, ainda que não vinculativo, proposto pelo Governo catalão liderado por Artur Mas, veio agora declarar igualmente inconstitucional a solução de uma votação “informal” e “simbólica”.

Lembrando que a Constituição que estabelece a impossibilidade de a Catalunha, ou qualquer outra região do país, se desvincular de Espanha “não foi feita em liberdade, mas numa situação anómala, com os militares por trás, durante o franquismo”, o músico diz que esta não pode impedir os catalães de “saberem quantos querem e quanto não querem a independência”. Savall está convencido, de resto, que “se o Governo espanhol tivesse sido mais inteligente e menos teimoso, teria acontecido na Catalunha o mesmo que se passou na Escócia, porque há muitos catalães que têm medo de cortar com a Espanha”, e também “muitas famílias que são metade catalãs e metade andaluzas ou bascas”.

O músico não tem dúvidas de que os catalães irão mesmo às urnas – o porta-voz do Governo regional, Francesco Homs, já o confirmou, acusando o Tribunal Constitucional de atentar contra o direito de participação e a liberdade de expressão –, e garante que irá votar, embora não saiba ainda se o fará a partir de França ou de Itália: “No sábado estou em Toulouse e no domingo em Rimini”.

Jordi Savall foi um dos catalães de prestígio internacional que co-assinou, juntamente com o tenor José Carreras ou o treinador Pep Guardiola, um manifesto em defesa do direito dos catalães a votar na consulta de domingo, publicado esta terça-feira pelo diário inglês The Independent. No Porto, não afirmou expressamente que votaria a favor de uma Catalunha independente, mas lembrou que, “na Europa de hoje, os países mais pequenos são os que funcionam melhor” e disse que Portugal “teve a sorte de se livrar de Espanha num determinado momento da sua história”.

Jordi Savall recusou há poucos dias o Prémio Nacional de Música, atribuído pelo ministério espanhol da Educação, Cultura e Desporto, explicando publicamente, numa nota enviada à imprensa, que a sua “profunda indignação” pela política cultural do ministério dirigido por José Ignacio Wert “pesou mais do que a alegria por um tardio reconhecimento de mais de 40 anos de dedicação apaixonada à difusão da música como uma força, e uma linguagem, de civilização e convivência”. Na conferência de imprensa que antecedeu o seu concerto na Casa da Música explicou que fora uma decisão difícil: “É um prémio bonito, e vem acompanhado de 30 mil euros, o que nestes tempos é de ter em conta, mas depois da alegria de saber que o tinha recebido, sentei-me e pensei: ‘como é que vais aceitar este prémio, tu que foste esquecido e desprezado durante 40 anos?’”.

A decisão de o recusar, garantiu ainda o músico, nem se deveu ao facto de ser catalão e de a Catalunha estar a viver momentos crispados na sua relação com o Governo de Madrid, nem ao facto de estar no poder um governo do PP, já que, disse, “a ignorância e o desinteresse pelo património musical de Espanha” eram idênticos no governo socialista de Zapatero.

Savall apresenta esta terça-feira à noite na Casa da Música um concerto centrado na obra musical de Dimitrie Cantemir (1673-1723), um príncipe moldavo que viveu parte da sua vida exilado em Istambul, semi-prisioneiro do sultão otomano, que o mantinha refém como garantia de que o seu pai orientava a política do reino moldavo de acordo com os seus desejos.

Escritor, filósofo, linguista, musicólogo e compositor, o prolífico Cantemir deixou uma obra musical importante e contribuiu para a conservação de obras alheias, através de uma notação musical que ele próprio inventou.

Como na Istambul desse período confluíam as culturas musicais grega, arménia e judaica, esta última levada pelos sefarditas expulsos da Península Ibérica, Savall reuniu alguns dos melhores intérpretes actuais de música antiga destas várias proveniências e, após um longo trabalho de investigação, lançou com o grupo Hespèrion e vários convidados, em 2009, o disco Istambul, que tem por base o Livro da Ciência e da Música, de Dimitrie Cantemir, e recupera a tradição musical sefardita e arménia do século XVII.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários