Esta globalização mata

Os efeitos da globalização tal como a conhecemos não deixarão de ser campo propício para germinar a violência e os conflitos de toda a ordem.

O Papa Francisco ao dizer “esta economia mata” está a referir-se indirectamente à globalização em que vivemos, pois a economia é consequência dos objectivos e dos processos dessa globalização.

O título que encabeça o texto - “esta globalização mata” -, parafraseando o Sumo Pontífice, apenas tenta ir mais longe, à origem da situação financeiro-económica que nos vai condicionando, como introdução a uma reflexão sobre os conflitos que este tipo de globalização pode e já está a provocar.

Ao lado dos conflitos armados que surgem por motivações geopolíticas e geoeconómicas, que têm os Estados como principais atores, mas a que a globalização actual também não é alheia, proliferam inúmeros conflitos particularmente violentos, que são originados ou incendiados pela luta por valores e estão muito relacionados com a situação de desesperança quanto ao futuro em que se encontram milhões de jovens.

Sem perspectivas de um emprego minimamente estável no qual possam sustentar a sua vida e promover o bem-estar que desejam, bem como alcançar os objectivos que visionam, sentem-se marginalizados pelos dirigentes políticos, transformados em verdadeiros párias sem o que entendem ser seu direito: uma actividade que os enquadre na estrutura social e no lugar que julgam merecer.

Esta situação degradante vem-se alargando a espaços geográficos cada vez mais alargados, também naqueles onde outrora predominava a prosperidade. Ela permitia o acesso dos jovens a um ensino de qualidade seguido de uma ocupação que lhes garantia uma carreira em que se viam inseridos e dignificados.

Não tendo sido suficientemente acautelado, através de medidas económicas, o necessário equilíbrio entre receitas e despesas, não apenas através da moderação das segundas mas também do reforço das primeiras, fomos facilmente arrastados pela crise financeira e económica para a situação actual, passando a conviver com uma austeridade permanente e aparentemente sem fim. Este aperto, que se está a traduzir no empobrecimento generalizado da esmagadora maioria das pessoas e no aumento dos rendimentos à disposição de apenas uns poucos, vem sendo explicado como sendo inevitável para fazer face às crises de enorme dimensão geradas a partir de fraudes cometidas por grandes tubarões financeiro-económicos.

A actual globalização tem conduzido um número crescente de pessoas para situações de empobrecimento e de “encarceramento”, cujos efeitos podem fazer eclodir conflitos propiciados pela ausência de valores e de sentido de destino, particularmente dos jovens. Desencantados, sem conseguirem entrever um futuro de esperança, vendo-se arriscados a viver uma vida sem sentido e principalmente sem o mínimo da dignidade que, como ser humano, têm direito de almejar. Em desespero de futuro e sem identidade própria, são facilmente atraídos por ideologias extremistas que parecem compensar o vazio em que mergulharam, com a esperança de os conseguirem, através da luta fanática por amanhãs que cantam, mesmo que elas só possam ser encontradas numa esfera situada para além da vida.

A globalização que nos conduziu até aqui está a ser promovida por poderes fáticos baseados na vontade e consequentes decisões dos grandes grupos financeiro-económicos, cujos objectivos nada têm a ver com o interesse geral da população mas apenas com os interesses de alguns poucos que tudo têm, ao lado de multidões que ficam privadas do essencial, até da esperança.

Enquanto a globalização económica, que não é uma fatalidade mas uma escolha de natureza política possibilitada pelo desenvolvimento tecnológico, não for regulada pelos responsáveis políticos e promovida em função do bem-estar do comum das pessoas, continuará a viver-se a situação de alienação que referimos e para todos nós é evidente, criando mundos que são verdadeiros monstros.

Uma das revistas The Economist mais recentes define perfeitamente esses mundos, com o título de um artigo que abre um “relatório especial sobre a economia”, na situação que estamos a viver como resultado desta globalização, numa sociedade em que o trabalho de robots tende a tornar os homens desnecessários, portanto descartáveis e sem futuro. Esse título é: “Riqueza sem trabalhadores. Trabalhadores sem riqueza”.

Em termos do futuro da guerra, os efeitos da globalização tal como a conhecemos não deixarão de ser campo propício para germinar a violência e os conflitos de toda a ordem, como forma de conceder aos jovens a esperança e o futuro.

Embora dificilmente se possa conceber um futuro que baniu a guerra como processo de interacção social, resolver esta questão de quem comanda a globalização poderá ser um passo largo para uma sociedade mundial onde sejam bem mais reduzidas as acções bélicas, não continuando a ser, como tem sido, nas palavras de Eduardo Lourenço, um mundo caracterizado pelo paradoxo definido pelo título do último artigo do seu livro “Os Militares e o Poder”, que cito: “O fim de todas as guerras e a guerra sem fim”.

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