Será que é mesmo amanhã que Isabelle Adjani regressa aos palcos?

Peça marcada por desistências no elenco e sucessivos adiamentos. Diz-se nos bastidores que o feitio da actriz não ajuda. Adjani garante que é a imprensa que a persegue.

Foto
Isabelle Adjani está prestes a fazer 60 anos, mas há já 30 que pede para não mencionarem a sua idade corbis

Os media franceses não fazem a coisa por menos - o regresso de Isabelle Adjani ao teatro está a ser apresentado como o acontecimento cultural da estação. Para isso concorrem o facto de a actriz não subir a um palco há oito anos, duas saídas do elenco da peça que se prepara para estrear e a já muito comentada “vida pacata” desta mulher cuja filmografia inclui títulos como A História de Adèle H., Verão Assassino, O Inquilino e A Rainha Margot.

Depois de em 2006 ter sido a protagonista de La Dernière Nuit pour Marie Stuart, peça de época, Adjani aceitou agora participar num projecto contemporâneo inspirado no universo clássico – Kinship é um texto do dramaturgo norte-americano Carey Perloff a partir de Fedra, de Jean Racine. Em comum, lembra a imprensa francesa, têm uma mulher forte e tragicamente apaixonada.

Até aqui nada de singular. Mas quem recuar uns meses verá que Kinship, que estreia esta terça-feira no Théâtre de Paris, tem estado envolvida numa série de peripécias que inclui saídas do elenco e três adiamentos. A espanhola Carmen Maura, actriz-fétiche de Almodóvar, alegou “cansaço” e foi-se embora, e o encenador com que o projecto arrancou, Julien Collet-Vlaneck, acabou por ser substituído por Dominique Borg, antigo colaborador e amigo de Adjani.

A imprensa francesa está a fazer destes contratempos um “caso” só porque é Adjani a cabeça de cartaz, garantiu recentemente a actriz numa entrevista ao diário francês Le Monde. Conhecida pelo seu desejo permanente de manter a sua vida privada… privada, a protagonista de Camille Claudel é conhecida no teatro e no cinema pelo seu temperamento “difícil” e “controlador”, segundo produtores que com ela trabalharam. Adjani tem dessa atitude, como seria de esperar, uma versão diferente – para a actriz são simplesmente inadmissíveis intromissões na sua vida pessoal. Uma vida que, admitiu já várias vezes em entrevistas, tem muitos pontos de contacto com as tragédias que marcam algumas das suas peças e filmes.

Descrevendo-se recentemente como uma rainha da tragédia no palco e fora dele, Adjani disse ao jornal Le Monde: “Se a minha vida não tivesse sido uma adaptação moderna da Oresteia, eu provavelmente nunca teria deixado o teatro.” A referência à trilogia do grego Ésquilo é feita porque, como é do conhecimento público, a actriz tem passado por momentos difíceis na esfera pessoal, que passam por uma infância conturbada, pela morte do irmão no dia de Natal de 2010 e pela sua relação com o também actor Daniel Day-Lewis, de quem se separou pouco antes de o filho de ambos nascer.

“Estas alterações na peça não teriam interesse nenhum para ninguém se eu não fosse a protagonista”, disse a actriz de 59 anos ao diário francês. “Os jornalistas continuam a inventar coisas sobre mim. Antes, isso fazia-me chorar, mas agora faz-me rir.” O “antes” diz respeito, por exemplo, ao rumor de que se afastara dos holofotes no final da década de 1980 porque contraíra sida, que na altura se viu obrigada a desmentir num noticiário televisivo em horário nobre.



Em Kinship, Adjani vai ser a editora-chefe de um jornal, casada, que se apaixona por um repórter muito mais jovem. É o primeiro texto contemporâneo que interpreta no teatro e as expectativas, admite, são muitas: “Adoro a ideia de uma peça que é uma criação, que nunca foi interpretada, mesmo em Inglaterra ou nos Estados Unidos. É muito raro. Esta peça é totalmente virgem – de comparações, de memórias. É um território ultra-livre e de tal forma vasto que se torna perigoso porque, quando tudo está em aberto, não há limites, o plano de batalha é incerto…”, disse ao Monde esta mulher que é também a directora artística desta peça de Carey Perloff, e que, segundo um produtor que pediu anonimato citado num longo perfil de Adjani publicado em Outubro pelo semanário L'Obs, está habituada a “ridicularizar realizadores, reescrever guiões e exigir condições de rodagem insuportáveis”.

“Ela precisa de ter um controle global do projecto”, resume Didier Long, encenador que a dirigiu em La Dernière Nuit pour Marie Stuart, peça em que se transformava na rainha dos escoceses, num pequeno artigo do jornal Le Figaro. Este controle passa, sobretudo, pela sua própria imagem, uma “verdadeira obsessão” para uma actriz que, garante, se sente com metade da idade que tem. “Na minha cabeça tenho 30 anos”, admitiu à revista Psychologies. “Se me dizem o contrário, grito: ‘Merda’. Isto não é estar em negação; simplesmente recuso-me a entrar na angústia deprimente de todos aqueles que nos dão cabo da vida com a conversa da idade porque eles mesmos têm um problema com isso.” No entanto, foi precisamente aos 30 anos, lembra o Figaro, que Adjani, começou a pedir aos jornalistas que não mencionassem a sua data de nascimento.

Falando há semanas sobre este regresso ao teatro, a actriz, que recentemente recusou ser Anne Sinclair no filme sobre a queda do antigo patrão do FMI, Dominique Strauss-Kahn, acrescentou: “Dizem-me – ‘que bom estares de volta ao teatro’. Mas eu penso que, como diz Anna Karina em Pedro, o Louco, eu não recomeço, continuo.”

Só terça-feira se verá se a estreia de Kinship aconteceu mesmo ou se, nos bastidores, mais alguém desistiu da peça ou de… Isabelle Adjani.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários