Governo recua na polémica cláusula de “protecção do investimento” no acordo UE-EUA

Há duas semanas, Portugal foi um dos 14 países que, numa carta, exigiam à Comissão Europeia a inclusão de uma cláusula de defesa dos investimentos no acordo TTIP com os Estados Unidos. Agora, Bruno Maçães, que assinou a carta, garante que “o mecanismo pode estar, ou não, no texto final” e que isso não é “vital” para os interesses portugueses

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Bruno Maçães Miguel Manso

Nos últimos dias, a carta subscrita por Bruno Maçães provocou várias reacções. Em Bruxelas, mas também em Lisboa, onde o assunto chegou às mãos de Pedro Passos Coelho. Um conjunto de ONG, como a Quercus e a Oikos, endereçou ao primeiro-ministro uma carta manifestando um “profundo desagrado” pela posição portuguesa. Para estas associações, o TTIP, a sigla que designa, em inglês, a futura Parceria Transatlântica para o Comércio e para o Investimento, “reduzirá substancialmente os padrões europeus de defesa do consumidor, de defesa do ambiente e da natureza, da segurança e soberania alimentares, dos direitos laborais e sindicais, dos direitos à privacidade e liberdade de utilização da internet, entre outros”.

Mesmo entre os social-democratas, a carta subscrita por Maçães foi vista como um “extremar de posições” numa altura em que seria exigível mais espírito negocial. Paulo Rangel, que liderou a lista da coligação PSD-CDS nas últimas eleições europeias, confessa: “Este tipo de questões perturba-me um pouco…” Afirmando que, para si, “o Tratado é fundamental para a Europa e para os EUA”, o eurodeputado sugere uma posição mais conciliadora no que diz respeito aos célebres “mecanismos de protecção do investimento” que a carta dos 14 Governos considera resultar “de um mandato claro do Conselho”, ou seja, um ponto obrigatório. Estes mecanismos – designados por ISDS, “investor-state dispute settlement” – estão na base de muitas das críticas ao acordo.

São, na prática, tribunais arbitrais privados que resolvem litígios entre as empresas e os Estados (ver texto na página 7). Para a eurodeputada Marisa Matias, do BE, que é “relatora permanente” da comissão de economia para o TTIP, estes mecanismos arbitrais “tornam os Governos irrelevantes do ponto de vista das escolhas políticas”. A eurodeputada considera mesmo que a introdução do ISDS no acordo comercial com os EUA pode “limitar ainda mais” os Governos europeus que “as regras draconianas do Tratado Orçamental”. “Com base nesta garantia de protecção do investimento pode passar a ser impossível, por exemplo, aumentar o salário mínimo, porque uma empresa pode alegar que fez o investimento em Portugal porque os salários são baixos”, exemplifica.

Bruno Maçães (ver entrevista) garante que o mecanismo só se aplica às cláusulas do Tratado, e que todos os receios aqui invocados não têm fundamento. Mas a posição do governante já não é tão taxativa quanto era, quando assinou a carta.  Os 14 governantes - da Inglaterra, República Checa, Chipre, Estónia, Dinamarca, Finlândia, Croácia, Malta, Lituânia, Irlanda, Suécia, Espanha, Portugal, e Letónia – exigiam que a comissária do Comércio, a sueca, liberal, Cecilia Malmström, mantivesse um “mandato claro do Conselho”, isto é, uma obrigação, para que fossem incluídos nas negociações os célebres “mecanismos de protecção do investimento”. Juncker respondeu, com alguma dureza. Ao PÚBLICO, na quarta-feira, Maçães garantia que o mandato do Conselho “terá de ser respeitado”. Nesta entrevista que hoje publicamos, admite que a cláusula ISDS pode nem sequer vir a fazer parte do acordo final. E acrescenta: “Não há qualquer diferença entre a posição do Presidente Juncker e a posição dos 14 países que assinaram a carta.”

Muito embora defenda as vantagens da resolução de litígios por via arbitral, Maçães reconhece “abusos” nesse sistema. E não o considera “vital” para os interesses nacionais. Garantindo que é apenas um “executor” da política decidida em Conselho de Ministros, Maçães admite como ideia “promissora” a sugestão que Paulo Rangel avança, ao PÚBLICO: “Um tribunal permanente de arbitragem, que funcionasse como instituição euro-americana pública, ou um tribunal tout-court especializado neste tipo de litígios”. “Seria, em princípio, uma boa ideia”, qualifica o secretário de Estado.

Vital Moreira foi, até Junho passado, Presidente da Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu, e relator para o TTIP. Era um dos poucos socialistas europeus que não viam nos mecanismos ISDS qualquer problema. E teme que “esta discussão sobre uma questão menor vá capturar o debate sobre o TTIP”. Opinião diferente tem Bruno Dias, deputado do PCP, que já expressou a Maçães a oposição a estes mecanismos que podem, na sua opinião, permitir às multinacionais “algemarem decisões soberanas de países e de Estados”.

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