Arbitragem, méritos próprios ou deméritos alheios?

Em muitos dos países mais desenvolvidos, a importância da arbitragem não decorre desta ser uma alternativa ao mau funcionamento dos tribunais judiciais mas antes porque é um meio de resolução de conflitos com méritos próprios.

Nestes tempos de dificuldade para o sistema judicial, em face dos conhecidos problemas que afectam a plataforma informática Citius, que serve de sustento a todo esse sistema, e com a consequente paralisia no funcionamento dos tribunais judiciais desde Agosto, seríamos tentados a pensar que a alternativa passaria muito provavelmente por um sistema alternativo de resolução de conflitos, como é o caso da constituição de tribunais arbitrais e do recurso à arbitragem.

No entanto, parece-nos que essa é uma errada perspectiva. Na verdade, em muitos dos países mais desenvolvidos, a importância da arbitragem não decorre desta ser uma alternativa ao mau funcionamento dos tribunais judiciais mas antes porque é um meio de resolução de conflitos com méritos próprios. Aliás, a bem dizer, a arbitragem necessita de um sistema judicial eficaz e competente, não só porque precisa dele em algumas situações durante a pendência do processo arbitral (por exemplo, na obtenção da prova ou no decretamento de algumas providências cautelares) mas também porque a execução das sentenças arbitrais só se pode fazer por meio dos tribunais judiciais.

Entre esses méritos próprios da arbitragem está, desde logo, a flexibilidade e agilidade do processo. Mais informal e menos regulado do que um normal processo judicial, podendo ser adaptado ao tipo e natureza do litígio, como resultado do consenso entre as partes em conflito. Na verdade, pese embora a positiva evolução que adveio do novo Código de Processo Civil, ainda continuamos a ter um conjunto excessivo de regras processuais que ajudam a complicar e atrasar a resolução dos processos, o que é algo que a arbitragem evita, ao dar às partes a autonomia necessária na escolha das regras processuais, sempre no respeito dos mais fundamentais princípios.

Outra vantagem manifestamente importante da arbitragem refere-se ao facto de nesta as decisões serem proferidas num espaço de tempo relativamente curto, desde logo pela óbvia razão de que o tribunal arbitral é constituído para dirimir aquele concreto litígio, ao contrário de um tribunal Judicial que tem que lidar, em simultâneo, com centenas de processos. Existindo, também, uma natural sensibilidade dos árbitros para a resolução rápida da disputa que levou à constituição do tribunal arbitral.

Uma indiscutível vantagem no recurso aos tribunais arbitrais reporta-se à possibilidade da escolha dos árbitros, tendo em conta o seu perfil, capacidades profissionais e o tipo de litígio. Isto é especialmente importante em litígios de maior complexidade, onde são exigidos certos requisitos e conhecimentos de ordem técnica para quem decide. Ora, este facto vai muito provavelmente garantir uma decisão mais ponderada, cuidada e competente.

Facto também importante refere-se aos custos de um processo arbitral por regra menores do que num processo judicial e, em especial, nas acções judiciais de maior valor. Este facto pode ser visto com surpresa pelo público leigo mas, na verdade, face ao aumento exponencial (e muitas vezes desproporcionado das custas judiciais), torna-se menos dispendiosa a constituição de um tribunal arbitral do que o recurso ao tribunal judicial.

Por outro lado, a arbitragem tem-se expandido a áreas que vão para além daquilo que habitualmente era tradição. Na verdade, se a arbitragem era utilizada normalmente em litígios de natureza comercial/contratual entre empresas, hoje em dia a arbitragem vai-se alargando a novas áreas de direito, como a do direito administrativo, propriedade intelectual ou tributário, entre outras áreas de direito. Tal mostra que superados certos preconceitos, a arbitragem vai-se tornado gradualmente um meio efectivo para resolução de conflitos entre particulares ou entre particulares e o Estado.

Como corolário de tudo o que se disse, temos assistido, nos últimos anos a um acentuado crescimento no número de arbitragens, quer através de tribunais ad hoc quer, principalmente, através da designada arbitragem institucional, ou seja, aquela que surge no âmbito dos centros de arbitragem. Não por acaso, Portugal vai conhecendo pessoas altamente qualificadas quer para o exercício da função de árbitro, quer para a actuação como advogado, o que vai sendo inclusive reconhecido internacionalmente na medida em que Lisboa vai já sendo a sede de algumas arbitragens internacionais.

Reconheça-se, também, a importância da lei de arbitragem que foi um importante contributo para credibilizar a utilização da arbitragem, colocando a legislação portuguesa em linha com o que mais evoluído existe internacionalmente. Também o mesmo se pode dizer quanto aos centros de arbitragem, como é o caso do centro de arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa e do seu muito recente regulamento. 

Em suma, a arbitragem é hoje um meio alternativo ao recurso aos tribunais judiciais, não tanto pelos (alegados) deméritos destes mas sim porque, pela sua natureza e características, merece recolher a preferência das partes em disputa.   

Sócio da sociedade de advogados PBBR, especialista em arbitragem

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