Napolitano ignorava negociações entre o Estado e a Máfia

A audição do Presidente italiano num processo relacionado com a Máfia foi um “tiro na água” para os juízes de Palermo.

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O Presidente Giorgio Napolitano respondeu como testemunha ANDREAS SOLARO/AFP

É a primeira vez que acontece na História de Itália. O Presidente Giorgio Napolitano foi esta terça-feira ouvido em Roma, como testemunha, durante mais de três horas, numa audiência especial do Tribunal de Palermo no quadro de um processo sobre a alegada negociação entre o Estado e a Máfia (Cosa Nostra) em 1992-93. A audiência decorreu no Quirinal, na Sala del Bronzino, onde são recebidos os chefes de Estado.

“Giorgio Napolitano referiu que, na época, nunca soube de acordos” entre responsáveis do Estado e a Cosa Nostra para que esta suspendesse a sua campanha de massacres — declarou à saída um dos advogados.

Em 1992, Totò Riina, o “padrinho dos padrinhos”, decidiu golpear o Estado e eliminar os “inimigos”: juízes, políticos ou polícias. Caíram figuras como os magistrados Giovanni Falcone e Paolo Borsellino.

Foi uma fase de extrema debilidade do Estado. Figuras como o então ministro do Interior, Nicola Mancino, teriam tentado um acordo com a Cosa Nostra trocando o fim dos massacres por um abrandamento do regime prisional dos mafiosos — “la trattativa”. Riina foi preso em 1993. A Máfia respondeu com novos atentados, mas acabou derrotada, com a queda em série dos “padrinhos” e o fim do terror contra o Estado.

É este caso que está a ser julgado em Palermo. No banco dos réus estão quatro chefes da Cosa Nostra, entre eles Riina, três generais dos Carabineiros e políticos como Mancino e Marcelo dell’Utri, antigo colaborador de Berlusconi e já condenado por conivência com a Máfia.

Incidente com os juízes
Em 1992, Napolitano era presidente da Câmara dos Deputados. Como aparece envolvido? Mancino fez insistentes telefonemas a Loris d’Ambrosio, ex-juiz do Supremo e assessor do Presidente da República. E telefonou duas vezes ao próprio Napolitano. Pretenderia que o tribunal de Palermo fosse colocado na dependência da magistratura antimáfia nacional.

Em Junho de 2012, D’Ambrosio escreveu uma dramática carta a Napolitano, queixando-se de rumores ligando-o à “trattativa”. O Presidente renovou-lhe a sua confiança. Mas D’Ambrosio morreu de enfarte um mês depois. Os juízes de acusação de Palermo gravaram os telefonemas de Mancino, inclusive com Napolitano. Mas o Supremo mandou destruir as gravações ilegais. Napolitano publicou a carta do assessor.

Em Outubro de 2013, a acusação incluiu o nome de Napolitano no rol de testemunhas para o interrogar sobre D’Ambrosio. O Presidente respondeu que nada tinha a dizer. Em Setembro passado, o tribunal requereu a sua audição. Foi o que ontem aconteceu: um “tiro na água” para os juízes.

Napolitano respondeu a todas as perguntas, incluindo às do advogado de Riina. Anotou um jornalista: “Nos jornais de todo o mundo, poderá ler-se que o Presidente da República foi interrogado por Totò Riina.”     

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