Quando um “minja” comete um “raciocídio”, isso são Novas Palavras Novas

Uma tarde aborrecida de trabalho fez com que um redactor comercial de Lisboa se dedicasse a criar Novas Palavras Novas. São substantivos e verbos que sintetizam situações indescritíveis, que decoram com "bolas de espelhos" a língua portuguesa

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As páginas nas redes sociais só têm uma descrição: “Palavras que se não fossem inventadas tinham de existir”. Definem situações ordinárias sem verbos ou substantivos atribuídos. Como um “trilema”, um problema com três soluções, nenhuma delas favorável. As Novas Palavras Novas (NPN) é a criação de um redactor comercial de 31 anos, de Lisboa que, em apenas algumas semanas, já ganhou mais de seis mil fãs no Facebook e no Tumblr. Tudo começou numa tarde aborrecida de trabalho, “a fazer a revisão de um documento”: o objectivo era passar o texto todo, “umas dezenas de páginas”, do antigo para o novo acordo ortográfico.

 

“Depois de uma tarde a amputar palavras, a cortar os “c” e a transformar os “óptimos” em “ótimos”, percebi que estava a acontecer a algumas palavras o mesmo que aconteceu a Plutão — que uma manhã acordou e já não fazia parte do sistema solar”, explicou em entrevista ao P3, por e-mail. Assim nasceu uma nova palavra nova, “plutongos”, expressão passou a usar para “definir todas as letras que saem de órbita”. “Como depois dessa tarde aborrecida vieram muitas outras, comecei a juntar as palavras num documento Word que batizei, por preguiça, Novas Palavras Novas”, rematou a história da criação. Entretanto também já há um perfil de Instagram com o carimbo NPN. Só ainda não há um dicionário. O jovem explica: “Não estou a tentar acrescentar andares ao edifício da língua portuguesa, estou só a decorá-lo com fitas, confettis e bolas de espelhos”.

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Todas as Novas Palavras Novas são tuas ou aceitas inspiração alheia?

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São todas minhas. No início pensei aceitar correio dos leitores (criei um documento Word a que chamei, por preguiça, Correio dos Leitores), mas cedo percebi que era má ideia. Por uma razão muito simples: as palavras e as suas descrições têm um tom e uma forma muito específicos. E são sempre, ou quase sempre, autobiográficas.

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Quantas palavras já criaste?

No Facebook estão mais de 70 e no site mais de 80. Quando comecei a publicar tinha 100 palavras novas em arquivo e consigo fazer em média duas por dia. Mas vou-me fartar mais dia menos dia.

Qual é a tua preferida, até agora?

Gosto muito da "gorjeta amarela" (ir a um café só para usar a casa de banho) porque é o tipo de humor xixi-cocó que eu aprecio, com aquela camada de sofisticação "dizer sem dizer" das pessoas elegantes. Também gosto muito de "palavreia" (um conjunto de substantivos coletivos) porque os substantivos coletivos são a minha cena.

Tens todos as palavras catalogadas ou é apenas uma pasta caótica no ambiente de trabalho do teu computador?

Está num documento Word, tudo ao molho e sem critério nenhum.

Já usaste alguma das tuas NPN numa frase, em qualquer situação?

Uso algumas. Os verbos "pinguinar" e "suiçar", o "totobolso" e a "frutação" podem facilmente fazer parte do nosso dia-a-dia. No entanto, acredito que a maior parte delas não tem grande utilização prática. Não estou a tentar acrescentar andares ao edifício da língua portuguesa, estou só a decorá-lo com fitas, confettis e bolas de espelhos.

Certificas-te que as palavras não existem ou confias no teu instinto criador?

Consulto o dicionário e vou ao Google. Se a palavra já existir vai para o lixo.

Porque é que algumas são ilustradas? És tu o desenhador ou delegas a tarefa de criar entradas tipo dicionário ilustrado?

Convidei o Carlos Monteiro que é ilustrador e infográfico do jornal "i" e da Adweek para fazer uns bonecos. O Monteiro é um tipo importante e super ocupado mas tem o sentido de humor perfeito para estas coisas. Só o consigo pôr a trabalhar uma vez por semana. E já vou com sorte.

Estás sempre atento a situações ou acções que possam ser transformadas em novas palavras?

Estou atento a tudo, tiro notas. Às vezes identifico a situação e procuro a palavra, outras vezes funciona ao contrário. O que procuro sempre é aquela mistura de originalidade com familiariedade, algo que faça as pessoas exclamar, "É mesmo isto!". Sabes que uma palavra resulta quando as pessoas se identificam. E olhando para todas as palavras que já inventei reparo que isto é uma espécie de depósito de experiências partilhadas, mais do que um exercício etimológico sério.

Ouves muitas vezes: "Tenho uma palavra nova para ti"?

Nem por isso. Algumas pessoas falam-me de palavras que existem apenas dentro da família delas, isso é muito curioso. Por exemplo, na minha casa o comando da televisão chama-se "tric-tric" e os tupperwares de plástico são "pitroegas", sem que haja qualquer explicação lógica para isso. São novas formas de vida que surgem dentro destes ecossistemas fechados e por lá permanecem.

Qual foi a coisa mais estranha que já ouviste de um leitor?

É muito curioso ver a quantidade de pessoas que quer batizar as formas castanhas que vê no fundo da sanita. Talvez valha a pena fazer um dia uma página só para isso: "Submarinos Castanhos da Marinha Portuguesa".

Em poucas semanas, as Novas Palavras Novas já têm mais de 5 mil seguidores no Facebook. São muitas pessoas à espera de palavras. Sentes-te pressionado?

Sinto-me pressionado e faço muita auto-censura. Estou muito surpreendido com a quantidade de pessoas que acha isto divertido, que comenta e partilha. É um disparate. Quando coloquei o NPN online esperava chegar às 100 pessoas, 200 na loucura. E agora isto. Agora tenho uma audiência. Agora tenho responsabilidades. Agora não posso pôr coisas como "AHABITUÉ" — passageiro frequente em viagens de whale watching. Será que 6000 pessoas vão perceber piadas sobre o "Moby Dick"?

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