Individualismo e os limites da liberdade contemporânea

A mundialização e globalização têm disseminado o individualismo ocidental pelo mundo. Não faltam as reacções contra esta influência, algumas radicais e de pendor terrorista como bem conhecemos

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Reuters

Poderia dizer-se que o individualismo é uma tendência recente, apenas mais uma prova da degeneração das sociedades contemporâneas. Mas isso está muito longe de ser uma verdade absoluta.

Gilles Lipovetsky define esta nossa época como a época do hiperindividualismo. Num dos seus livros – “A Sociedade da Deceção” - diz mesmo que a liberdade das sociedades atuais, aliada ao sentimento individualista, gera nos indivíduos sentimentos indirectos de frustração. Esses sentimentos nascem da consciência de que a liberdade existente não resulta imediatamente em realização pessoal.

Ou seja, a ausência evidente de restrições e barreiras objectivas criam a esperança de tudo ser possível, mas depois, na prática, a complexidade da realidade limita os indivíduos. Isto cria paradoxos e tende a demonstrar os limites do próprio conceito de liberdade individual num mundo cheio de restrições difusas e invisíveis, próprias de sociedades complexas. Já não é a falta de liberdade que supostamente nos condiciona. O que nos restringe é tudo o resto, um conjunto infindável de coisas que não conseguimos definir nem identificar, ou simplesmente somos nós mesmos que nos auto-restringimos. Nem sequer é fácil arranjar um “bode expiatório”. Há quem culpe o sistema ou outra coisa qualquer indeterminada.

Bem precioso

Mas o individualismo está longe de ser uma fatalidade. A liberdade, que é um bem precioso, gera naturalmente a possibilidade da busca pela felicidade individual – uma forma de individualismo. Negar o individualismo é refutar parte essencial da natureza e condição humana, especialmente na cultura ocidental. Mas isso em nada impede a concretização de projectos colectivos, que nestas sociedades são tanto mais prósperos quanto mais democráticos forem. Tudo se liga e pode estar em harmonia.

Aliás, o individualismo é um factor histórico diferenciador das sociedades ocidentais. A influência judaico-cristã, tão enraizada na cultura ocidental, com o princípio do livre-arbítrio, é incontornável. Essa e outras influências - por exemplo a própria noção de cidadania e direito herdados da antiguidade clássica - criaram sociedades tendencialmente mais livres, mais propensas à mudança e ao desenvolvimento cultural e tecnológico.

A mundialização e globalização têm disseminado o individualismo ocidental pelo mundo. Não faltam as reacções contra esta influência, algumas radicais e de pendor terrorista como bem conhecemos.

Resta saber se teremos as ferramentas psicossociais para lidar com as oportunidades e desafios criadas pelo desenvolvimento de um individualismo cada vez mais forte.

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