Namoro vs (n)AMOR(o)

Só há uma coisa para a qual não admitimos que nos seja exigido pensar. Chama-se paixão

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Catarina Sanches

Quase tudo o que há na vida nos obriga a pensar demais. Das decisões profissionais, aos destinos de férias, às contas ao dinheiro que, mesmo antes de se fazer ouvir na conta, já vem invariavelmente repartido por uma série de variáveis, também estas previamente identificadas. Nem o sexo escapa ao planeamento estratégico do ato. Não se admite que não saibamos as posições que eles mais gostam e, se dúvidas existirem sobre a real localização do ponto G, em qualquer lado se encontra uma resposta apropriada e ilustrada.

Só há uma coisa para a qual não admitimos que nos seja exigido pensar. Chama-se paixão. E, de facto, esta não tem posologia, não traz informações sobre os efeitos secundários, não é planeável, não é pensável. É só ficar a vê-las chegar: tropas e tropas de borboletas paraquedistas que vão poisando e borboleteando na barriga.

Do chegar desta paixão ao iniciar de um namoro não é preciso muito, basta que nos deixemos guiar pela mão desta felicidade fácil e irracional. Mas é certo e sabido que há castigo para tudo o que deixamos que nos escape à razão, até para a felicidade. Aqui, o castigo maior é quando percebemos que esse tal namoro nem está prestes a acabar, mas que na verdade nunca chegou a começar. Noite da inauguração volvida, desligam-se os holofotes e, antes que a coisa comece a dar algum trabalho e nos obrigue a voltar à rotina do pensamento, o ideal é recorrer a uma digna e rápida rescisão por mútuo acordo.

Já o (n)AMOR(oro) não tem nada a ver com isso. Namorar alguém por amor é ter o coração ocupado 24h/7 e aceitar que daí vão começar a surgir preocupações relacionadas com o não cumprimento de determinadas obrigações contratuais. É deixar que as tropas de borboletas exibam agora os seus músculos militares e, de botas bem engraxadas, deixem para trás os paraquedas para ocuparem, não provisoriamente, o arco do triunfo do coração. Requer planos, reflexões, considerações. É uma atenção e uma dedicação que se implanta na vontade dos amantes e que são inatas a isto que é... o amor.

Se o namoro é um brunch de ocasião e de fácil digestão, o (n)AMOR(o), esse, alimenta-se de banquetes de expectativas, inquietações e algumas agonias. É aceitar que da irracionalidade da paixão nasceu uma nova atividade. Chama-se continuar e não faz finca-pé com a razão ou com o pensamento. Ela requer que nos tornemos guardiões do n(AMOR)o e solicita sistemas comunicação e planos de ação suficientemente aplicados para que não se deixe o amor empalidecer, apodrecer, morrer.

No que toca ao (n)AMOR(o), pensar demais não mata. Tomar por garantido é que mata.

E o (n)AMOR(o) não compactua com funerais dignos.

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