A Fiscalidade no Desporto (I): A revogação e rescisão antecipada do contrato desportivo

A crescente complexidade do fenómeno desportivo, designadamente das competições no futebol profissional, tem implicações tributárias. É a tributação quer dos clubes desportivos, quer das sociedades anónimas desportivas, quer dos desportistas que assume importância crescente, atentos os elevados montantes envolvidos. Não sendo alheia a esta situação, a administração tributária portuguesa tem produzido alguma doutrina no sentido de esclarecer qual é, no seu entendimento, o enquadramento jurídico-fiscal de diversas situações.

Neste âmbito foi, por exemplo, emitida a relevante Circular n.º 12/2011, da Direcção de Serviços de IRC, que abordou a questão da perda de valor, para as entidades desportivas, decorrente da revogação ou rescisão do contrato de trabalho desportivo.

Como é sabido, um dos mais relevantes activos dos clubes prende-se com os direitos sobre a contratação de jogadores profissionais. Este activo, como outros, pode aumentar de valor com o decorrer do tempo, mas também pode implicar perdas para o respectivo detentor. Assim, colocou-se a questão de saber se os clubes ou as sociedades anónimas desportivas poderiam reconhecer esta perda de valor como uma desvalorização excepcional, ou se, ao invés, apenas podem reconhecer como gasto a quota-parte da amortização que ainda não tenha sido considerada como tal.

O conceito de perda por imparidade é um conceito contabilístico. Representa o excedente da quantia escriturada de um activo em relação à sua quantia recuperável. Nem todas as perdas por imparidade aceites de acordo com as normas contabilísticas assumem, porém, relevância fiscal. Por regra, o legislador tributário é mais exigente, cerceando a possibilidade de os contribuintes reduzirem o seu resultado sujeito a imposto. Assim, só são aceites como perdas por imparidade as desvalorizações excepcionais provenientes de causas anormais e devidamente comprovadas.

A questão que se coloca é a de saber se a revogação ou rescisão de um contrato de trabalho desportivo em momento anterior ao previsto representa (ou não) uma desvalorização “anormal” ou “excepcional”. Importa adiantar que o Código do IRC reputa como tal, entre outros, os fenómenos naturais ou as inovações técnicas excepcionalmente rápidas. Parece, pois, decorrer da lei que as perdas por imparidade com relevância fiscal serão aquelas que se prendem com factores (totalmente) alheios à vontade do sujeito passivo, como a destruição de activos por força de desastres naturais, ou de activos que se tornam obsoletos pela decorrência de inovações técnicas de tal maneira relevantes que se sobrepõem ao normal período de vida útil do bem em causa.

Deste modo, a administração tributária, apreciando o conceito de perda por imparidade fiscalmente aceite, entendeu dever transmitir que, embora imprevisível no momento da celebração do contrato, a revogação do contrato de trabalho desportivo ainda cabe no conceito de “acto de gestão”, cujo escopo visa, nomeadamente, a redução dos encargos a ele associados, não podendo, por isso, ser considerada como desvalorização excepcional. Ou seja, na medida em que o clube ou a sociedade anónima desportiva manifesta, de forma mais ou menos condicionada, a sua vontade na revogação ou rescisão do contrato de trabalho desportivo em momento anterior ao do terminus do período de vida útil do activo em causa, não estarão, segundo a administração tributária, reunidas as condições exigidas para que o gasto seja reconhecido ao abrigo deste regime fiscal de perda por imparidade.

Entende, ainda, a administração tributária que, na revogação do contrato de trabalho desportivo antes do seu termo, o que está em causa é uma alteração da duração efectiva do contrato celebrado. Assim, uma vez alterada a duração do contrato celebrado, o clube ou a sociedade anónima desportiva deve reconhecer como gasto desse período a quota-parte da amortização que ainda não foi considerada como tal, sendo idêntica a solução proposta para os casos de rescisão unilateral do contrato de trabalho desportivo por parte do jogador ou da entidade desportiva. A administração tributária portuguesa considera, pois, que a revogação e rescisão dos contratos de trabalho desportivos celebrados entre os clubes ou as sociedades anónimas desportivas e os jogadores não pode ser considerada como situação anormal ou estranha à actividade desenvolvida, não preenchendo o carácter de excepcionalidade exigido para que possa ser considerada fiscalmente como uma perda por imparidade. No entanto, parece poder concluir-se (a contrario) que, se o activo se desvalorizar por causa fortuita – por exemplo, lesão ocorrida em momento anterior ao fim do período de vida útil – já poderão, eventualmente e dependendo de uma análise casuística, estar reunidos os pressupostos para que o regime de reconhecimento fiscal do gasto como perda por imparidade possa ser aplicado.

Advogados

Este é o primeiro de uma série de sete artigos sobre fiscalidade no desporto. Na próxima sexta-feira, pode ler sobre as penalizações desportivas

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