Responsabilidade histórica

Cresceram as expectativas sobre António Costa depois da sua vitória nas primárias do PS, que o colocou no estatuto de secretário-geral de facto, à espera de ser formalmente eleito para este cargo nas directas de 21 de Novembro.

Elas existem em relação aos conteúdos programáticos que insistiu em não revelar até agora e que pretende aplicar na governação, caso seja primeiro-ministro. E também quanto à forma como pretende exercer o poder, ou seja, como e com que apoios, alianças ou parceiros pretende governar.

No que toca à política de alianças, muito está ainda por perceber e evidentemente não depende só de Costa nem só do PS. Contudo, há dimensões do problema que são conhecidas, como o facto de que o novo líder socialista se mostra aberto a alianças mesmo tendo maioria absoluta, a qual já assumiu como objectivo, estando obrigado a essa vitória pelo desafio que lançou ao anterior secretário-geral, António José Seguro.

A realidade, porém, pode ser bem diferente dos seus desejos. Tanto que o seu líder parlamentar, Eduardo Ferro Rodrigues, já afirmou que “o PS deve lutar por uma maioria absoluta, mas é preciso ter consciência de que o sistema partidário vai estar bastante mais pulverizado” fruto do aparecimento de novos partidos como o Livre de Rui Tavares e o Partido Democrático e Republicano de Marinho e Pinto (TSF 12/10/2014).

O que é facto é que Costa parte para as legislativas com uma atitude nova em relação ao passado no que diz respeito à política de alianças, pela forma como está aberto a entender-se com partidos à sua esquerda e o afirmou logo na Moção Política sobre as Grandes Opções do Governo, único documento programático que produziu neste processo e com o qual se candidatou às primárias. E até praticou o acto inédito de aceitar discursar no congresso fundador do Livre.

A novidade de Costa foi, aliás, destacada por António Barreto, ao lembrar que “o PS é geneticamente anticomunista e deixar de ser anticomunista e passar a ser amigo ou aliado do comunismo, do Bloco de Esquerda, ou do Livre põe problemas seríssimos”, acrescentando que o próprio Costa “está a correr o risco de perder o próprio partido, porque a força anticomunista do PS é muito grande” (Diário de Noticias 11/10/2014).

A dinâmica de vitória e a perspectiva da conquista do poder são factores que unirão os socialistas em torno de Costa, mas é também verdade que, uma vez à frente do governo, uma eventual aproximação ao PCP poderá incomodar alguns sectores do PS. O que é facto é que, como diz a própria moção de Costa, “é na sua pluralidade que o Parlamento representa o país e não há qualquer razão para o PS ignorar as aspirações dos eleitores representados pelos partidos à sua esquerda”.

Para dar este passo, não basta, é certo, a vontade de Costa, nem a aceitação do PS, é preciso que os outros partidos estejam disponíveis. Ora, é sabida a divisão histórica da esquerda portuguesa, uma ruptura que vem do PREC, mas tem raízes mesmo antes do 25 de Abril. E que é hoje um atavismo que limita o país nas soluções de governabilidade à esquerda. Permitir que “uma parte significativa do eleitorado há décadas não se envolva em nenhuma solução de governo representa um empobrecimento da democracia”, afirma Costa na sua moção.

Não sendo expectável que o PS vá fazer um acordo de governo com o PCP, pode até fazê-lo com o Livre, o BE e o PDR. Mas não com o único partido que formalmente defende a saída de Portugal do euro. Além de que ninguém acredita que o PCP esteja disposto a integrar um governo com o PS, até porque está ciente de que isso seria a morte da sua identidade. Há, no entanto, entendimentos a que o PS de Costa pode tentar obrigar o PCP, sob pena de poder responsabilizar os comunistas pela inviabilização de soluções de esquerda na governação do país.

Como é do domínio comum, uma política de alianças pode revestir vários tipos de acordo. Pode ser uma coligação pós-eleitoral de governo ou acordos parlamentares de médio prazo ou pontuais, versando vários assuntos ou apenas um. E, por outro lado, é patente da leitura da moção de Costa que o diálogo à esquerda não se fará apenas no Parlamento, mas também na Concertação Social.

Isto aponta para que Costa possa, por exemplo, vir a desafiar o PCP para rever com o PS questões que se prendam com a manutenção do Estado-providência ou com a regulação laboral e que estão já anunciadas na moção apresentada às primárias, nomeadamente sobre contratação colectiva e trabalho precário.

E então é até possível – e mesmo provável – que o PCP no Parlamento, tal como a CGTP na Concertação Social possam fugir a um acordo. Mas assim como ficarão com o objectivo exclusivo de defender a ideia mítica de uma revolução a vir – deixando cair a bandeira que lhes é cara da defesa do povo –, ficarão também com o ónus da responsabilidade histórica pelo falhanço de uma governação à esquerda.

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