O poder dos obstáculos

Numa auto-estrada sem curvas nunca aprenderemos verdadeiramente a conduzir

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The U.S. Army/Flickr

Tendemos a pensar sempre que quanto mais fáceis os processos forem, melhor. Que quanto menos complexas as tarefas, mais eficientes somos. Imaginamos sem chegar a racionalizar que quanto menos complicadas as decisões, melhor as tomamos. Será assim?

Duvido. E só não digo já que não concordo, para que não vos seja demasiado fácil. Para que tenham dúvidas, para que debatam antes de concluir.

De facto, inúmeros estudos têm vindo a comprovar aquilo que nos custa a admitir: no longo prazo a ausência de barreiras não traz melhores resultados, mas piores. Está provado que os poemas escritos à mão tendem a ser mais curtos e melhores do que os escritos em computador. É que riscar e reescrever custa mais do que premir a tecla "delete". Sabemos também que as fontes mais feias fazem com que os leitores se recordem mais do texto. Imaginam porquê?

O nosso cérebro tende a esforçar-se apenas na medida do necessário, um princípio de gestão recomendável, porque aumenta o retorno e acelera os processos. O problema é que, neste contexto, a simplificação das decisões que procuramos continuamente elimina o incentivo à criatividade, à imaginação e ao engenho. Portanto, tornarmos a vida fácil ao nosso cérebro e com isso reduzimos a probabilidade de ter mais ideias, de inventar melhores soluções. Esta realidade é transversal aos vários domínios, desde a gestão à arte, passando pela música e pelo desporto. Seria possível um jogador de topo de qualquer desporto jogar numa liga pouco competitiva, onde tudo fosse demasiado fácil? Teria ele a capacidade de evoluir da mesma forma nesse cenário?

É também por isto que a Google, Facebook e Amazon não param de comprar “startups” promissoras. Para além de adquirirem potencial de evolução, estão a criar internamente um “rush” que é difícil ter quando já se é líder incontornável na sua área de negócio. Estão a injectar adrenalina de quem vem de um mundo de dificuldade onde não há nenhuma garantia, apenas um sonho difícil, muito difícil de concretizar. E quanto mais difícil for esse objectivo, maior é o prémio. As nossas mentes são peritas a fazer esta avaliação e a determinar, no profundo subconsciente, se vão ser mais ou menos generosas no espectro da espectacularidade das decisões. Claro que problemas e obstáculos não garantem boas decisões – há muitos que não os sabem ultrapassar. Mas sem elas, dificilmente chegamos onde é preciso.

O dinhero e a felicidade

A verdade é que tendemos a relacionar felicidade com liberdade, mas quando deixa de haver obstáculos para chegar onde queremos, dificilmente temos o mesmo prazer. O mesmo se passa com dinheiro - só acredita que ele traz felicidade quem não tem suficiente para perceber que não é nada assim: o dinheiro evita a depressão, mas nem sempre acarreta satisfação.

E agora? Vamos tornar tudo difícil para fazer melhor? Possivelmente essa é uma solução absurda por natureza, ou complicaríamos tudo até não solucionar nada. O que temos é de resistir a exigir pouco. Temos de evitar a educação facilitista, que destrói as mentes antes de chegarem à idade adulta, de tanto as esvaziarem de obstáculos por superar.

Precisamos de nos reinventar permanentemente, exigindo mais e melhor. Procurar caminhos com resistências difíceis de ultrapassar e patamares que parecem impossíveis de atingir é a forma mais provável de nos tornarmos criativos e felizes. Porque numa auto-estrada sem curvas nunca aprenderemos verdadeiramente a conduzir.

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