De Kobani chegam boas notícias mas é o Iraque que preocupa a coligação contra os jihadistas

Guerrilha curda diz estar a reconquistar posições graças aos intensos ataques aéreos. Missão é sobretudo humanitária, diz general americano, reconhecendo que o combate estratégico contra o Estado Islâmico se trava na província iraquiana de Anbar

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Junto à fronteira há um clima de optimismo entre os curdos, turcos e sírios, que seguem os combates Kai Pfaffenbach/Reuters

Os aviões norte-americanos bombardeiam como nunca e a guerrilha curda garante que está a reconquistar algum do terreno que perdeu dentro de Kobani, a cidade curda síria que o Estado Islâmico tem na mira há um mês. Mas Washington reconhece que não se trata de um combate estratégico na luta contra os jihadistas – é a frente iraquiana que concentra as preocupações, numa altura em que os avanços dos radicais ameaçam deixar Bagdad ao alcance dos obuses dos radicais.

Apesar da sua limitada importância militar, a pequena cidade curda transformou-se num símbolo da luta contra os extremistas, dada a proximidade a que os combates decorrem da fronteira turca, para onde fugiram 200 mil pessoas que até 16 de Setembro viviam na região de Kobani. Impedir que caia nas mãos do Estado Islâmico daria, por isso, um importante impulso à estratégia desenhada pelo Presidente norte-americano, Barack Obama e minaria a aura de invencibilidade que a máquina de propaganda dos radicais alimenta.

“Há uns dias, [o Estado Islâmico] controlava talvez 40% da cidade, mas agora tem menos de 20%”, disse à BBC Idriss Nassan, porta-voz das Unidades de Protecção Popular (YPG), a milícia curda síria que defende a cidade. Não há fontes independentes na cidade que possam confirmar estes dados, mas quem está na fronteira garante que os bombardeamentos aéreos, a única ajuda recebida pelas forças curdas, atingiram uma intensidade sem precedentes.

O Pentágono revelou que, só entre a noite de quarta-feira e a manhã de quinta, a aviação aliada lançou 14 ataques contra posições do Estado Islâmico, destruindo 19 edifícios que tinham sido tomados pelo grupo. São já mais de meia centena de bombardeamentos efectuados desde o início da semana e que provocaram “várias centenas de mortos” – um ritmo que apenas tem paralelo nas missões que em Agosto ajudaram as forças do Curdistão iraquiano a reconquistar a barragem de Mossul, a maior do Iraque.

O jornal New York Times adiantou quarta-feira que os responsáveis pelo planeamento das missões aéreas estão a receber informações do YPG no terreno, apesar de oficialmente Washington considerar a milícia síria um braço do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), guerrilha curda da Turquia que classifica de organização terrorista. “Os comandantes do YPG passam informação à coligação sobre a localização dos alvos do Estado Islâmico e eles bombardeiam de acordo com as instruções”, disse também à Reuters um porta-voz da guerrilha.

O Departamento de Defesa norte-americano não confirma a colaboração, atribuindo a intensificação dos ataques ao empenho posto pelo Estado Islâmico nos esforços para conquistar a cidade, para onde tem enviado reforços. “Quanto mais a querem, mais recursos aplicam nisso e mais alvos nós temos para atingir”, explicou o almirante John Kirby.

Um jornalista sírio na cidade que falou por telefone com a Reuters reforçou a ideia de que os bombardeamentos permitiram aos guerrilheiros retomar alguma iniciativa. “Passámos por algumas posições do YPG que ainda na véspera estavam nas mãos do Estado Islâmico”, disse Abdulrahman Gok. No comunicado divulgado nesta quinta-feira, o Pentágono reconhece que os ataques “atrasaram o avanço dos jihadistas” mas insiste que a situação em Kobani “permanece incerta”.

Bagdad mais perto

Mas apesar de toda a atenção que tem gerado, Kobani é apenas um dos alvos na mira dos jihadistas e nem sequer o mais importante, reconhecem os responsáveis norte-americanos.

“Estamos a atacar alvos na região de Kobani sobretudo por razões humanitárias. Mas tenho muita relutância em usar uma expressão como ‘alvo estratégico’”, disse John Allen, o general na reforma que Obama chamou para coordenar a coligação internacional reunida pelos EUA para lutar contra o Estado Islâmico.

Allen, que falava aos jornalistas depois de um périplo pelo Médio Oriente, sublinhou que a frente iraquiana da guerra “é claramente a principal preocupação de Washington” e reconheceu que os jihadistas fizeram ali “importantes avanços”. Depois de na semana passada terem conquistado Hit, uma das últimas cidades em poder do Exército iraquiano em Anbar, a grande província do Oeste do Iraque, tomaram entretanto uma base militar que tinha sido abandonada e cercam agora a localidade Amriyat al-Falluja.

Allen afirmou que estes avanços, à revelia dos ataques aéreos que os EUA iniciaram há já dois meses, confirmam a ideia de que “os esforços militares, apesar de importantes, não são suficientes para derrotar os islamistas”. No terreno, ouvem-se, no entanto, vozes mais alarmistas. “Se Anbar cair, isso terá um impacto enorme para nós e para toda a região de Bagdad”, disse ao jornal Washington Post o general Ali al-Majidi, comandante da 6ª Divisão do Exército iraquiano durante uma visita a Abu Ghraib. A cidade de maioria sunita nos subúrbios de Bagdad, tem sido atingida a espaços por obuses disparados por combatentes do Estado Islâmico entrincheirados numa aldeia próxima e os militares iraquianos temem que os jihadistas a tomem como próximo alvo caso conquistem a totalidade de Anbar, colocando infra-estruturas vitais, caso do aeroporto internacional, ao alcance da artilharia dos radicais.

O Pentágono insiste que a eventual perda de Anbar para os jihadistas, que se estende até à província de Bagdad, não representa uma “ameaça iminente” para a capital iraquiana. Mas na zona teme-se que os jihadistas aproveitem o ressentimento da minoria sunita com as acções das milícias xiitas – que o Governo iraquiano chamou em seu auxílio – para engrossar as suas fileiras. “Se chegarem aqui dez membros do Estado Islâmico, vão passar a ser milhares porque toda a gente de Abu Ghraib se lhes vai juntar”, disse ao jornal norte-americano um residente que pediu para não ser identificado.

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