Zero-a-zero ao intervalo

Foi esta quarta-feira entregue na Assembleia da República a proposta de Lei do Orçamento do Estado (OE) para 2015. Contudo, ao contrário do habitual, parece haver uma sensação de que o jogo ainda vai a meio, dado que as propostas de lei das grandes bandeiras do Governo na área fiscal (a reforma do IRS e da Fiscalidade Verde) não são ainda conhecidas.

A grande surpresa deste período orçamental é a não redução imediata da sobretaxa de IRS, a qual fica dependente da execução orçamental, no sentido de que é fixado na lei um limite a partir do qual o excedente de receita de IRS e IVA reverterá a favor dos contribuintes, sob a forma de reembolso a conceder em 2016. Adicionalmente, não é ainda claro que alterações propostas pela comissão da reforma do IRS serão adotadas e em que termos, pelo que o impacto nas famílias não se consegue ainda estimar com certeza. No entanto, parece certo que as famílias com descendentes e ascendentes a cargo possam sentir algum desagravamento, por via da introdução do coeficiente familiar e dos tickets educação.

Após o chumbo do Tribunal Constitucional à contribuição de sustentabilidade, que se aplicaria a pensões públicas acima dos 1.000 euros, volta a prever-se a contribuição extraordinária de solidariedade (CES), desta feita a incidir sobre as pensões acima dos 4.611 euros, mantendo-se a incidência sobre pensões públicas e privadas.

Por outro lado, ao nível do IRC não tivemos surpresas em nome da tão almejada estabilidade e da previsibilidade fiscal. Assim, a única alteração foi a descida da taxa de 23% para 21%, apesar dos dados da execução orçamental a Agosto indiciarem um decréscimo de 4,3% na receita. Por outro lado, para fomentar o crescimento económico, tinham sido também já anunciados incentivos fiscais às empresas cuja atividade se concentre em determinados sectores, em zonas de menor desenvolvimento económico, no entanto, tal constará de diploma autónomo.

No que respeita ao IVA, não será ainda em 2015 que a taxa descerá. Mas, pelo menos, a intenção de um aumento da taxa normal para 23,25%, e até para 25%, foi abandonada. Ao nível dos restantes impostos indiretos, assiste-se, por exemplo, à tributação de realidades como os cigarros eletrónicos em sede de Imposto sobre o Tabaco. Não sendo ainda conhecida a posição do Governo, na sequência das propostas da comissão para a reforma da Fiscalidade Verde, poderão ser ainda criadas outras taxas incidentes sobre realidades tão díspares como os sacos do lixo e as viagens de avião.

Em suma, e apesar do programa de ajustamento ter terminado, as regras do tratado orçamental forçam o cumprimento de um défice abaixo dos 3%. Assim, considerando os chumbos do Tribunal Constitucional a algumas das medidas do Governo e apesar da vontade reformista e de desagravamento fiscal, o cumprimento do objetivo terá que ser feito à custa da neutralidade fiscal, eventualmente compensando as reduções nos impostos diretos, com aumentos nos impostos indiretos e novas contribuições sectoriais.Catarina Gonçalves, Tax Director, PwC. catarina.goncalves@pt.pwc.com

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