Os novos tempos da Feira do Livro de Frankfurt

No próximo ano a feira fica mais pequena, os editores de língua inglesa abandonam o mítico Pavilhão 8 e aproximam-se dos outros países. O grande foco da feira passará a ser o networking

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A edição de 2014 da Feira do Livro de Frankfurt terminou na tarde deste domingo RALPH ORLOWSKI/REUTERS

Nada voltará a ser como antes na Feira do Livro de Frankfurt. No próximo ano, o espaço da feira vai diminuir, os corredores vão ficar mais pequenos e vão diminuir também as áreas de restauração e de wifi. O famoso Pavilhão 8, o dos países de língua inglesa, vai ser fechado e os seus editores serão integrados nos outros pavilhões. Isso vai obrigar a mudanças. Este foi também o último ano para o stand de Portugal no sítio do costume.

Só não vê quem não quiser ver. Por mais que a organização tente artifícios para aumentar o número de visitantes – com as visitas das escolas ou tornando a sexta-feira no “dia da criança” – a feira não tem a agitação de outros tempos. Há menos espaços de exposição para as editoras mas aumenta o número de pessoas que se inscreve na feira vindo de outras áreas da produção de conteúdos, como o cinema, a televisão ou a área de vídeo-jogos.

Este ano, pelo stand português ainda foram passando os editores que continuam a vir à feira, dos mais antigos, como Guilherme Valente (Gradiva), Guilhermina Gomes (Círculo de Leitores e Temas & Debates), Cecília Andrade (Dom Quixote), Zeferino Coelho (Caminho), Eduardo Boavida (Bertrand) ou Carlos Veiga Ferreira (Teodolito), aos mais recentes, como Lúcia Pinho (Quetzal) ou José Prata (Lua de Papel, Leya). O espaço da comitiva portuguesa liderada pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) parecia mais animado também pela presença, pelo segundo ano consecutivo com um espaço próprio, da agência literária portuguesa Bookoffice, que pertence ao grupo de consultores editoriais Booktailors. Mesmo ao lado do espaço ocupado pela Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), que agora também está integrado no stand, de manhã à noite e até ao final da tarde deste domingo, quando a feira encerrou, a equipa de cinco agentes portugueses esteve a promover as obras dos mais de 30 autores que representam, entre os quais se encontram já Mário Cláudio, Jerónimo Pizarro, Ana Teresa Pereira, Teolinda Gersão, Francisco José Viegas, Afonso Cruz, Miguel Real, Miguel Miranda, Bruno Vieira Amaral, José Afonso Furtado, José Tolentino Mendonça ou Luís Miguel Rocha. São uma agência de serviços para autores, não se limitam a vender os autores nacional e internacionalmente. “Também tratamos da agenda, da promoção, da candidatura a prémios, a espaços em residências literárias, tudo o que tenha a ver com a actividade literária do autor. Mas a Frankfurt vimos mais na vertente de vender”, explica ao PÚBLICO Paulo Ferreira, da Bookoffice.

As reuniões com os editores costumam demorar 30 minutos e nessa conversa conseguem falar de três a cinco livros, escolhidos de acordo com o perfil do editor que têm à frente e consoante conversas e trocas de emails anteriores. Desta vez tiveram cerca de 80 reuniões e o facto de a DGLAB estar ali na mesa ao lado é muito vantajoso, pois os editores estrangeiros são logo informados das bolsas de apoio à tradução, por exemplo. “No ano passado, através dos contactos que tivemos aqui, assinámos nos meses seguintes contratos para 20 livros”, diz Paulo Ferreira. “Este ano queremos vender pelo menos 21 e posso dizer que seguramente vamos ultrapassar esse número.”

A Feira do Livro de Frankfurt foi preparada pela agência com antecedência e, quando sair daqui, a Bookoffice começará a preparar as feiras de Belgrado e Guadalajara, ambas em Novembro. Quanto a esta edição, Paulo Ferreira constata que “a Feira do Livro de Frankfurt está morta e ainda ninguém recebeu a notificação em casa”. Para o consultor editorial, a visita ao Pavilhão 8, dos editores dos EUA e Reino Unido, foi “absolutamente desoladora” e confessa que não ficou muito empolgado com a feira. “Como agentes, correu-nos bem, mas quando olho em volta, mesmo em termos de ideias, não vi nada de extraordinário. É mais do mesmo. É notório um desinvestimento grande e aconteceu com toda a gente. Claro que continua a ser fundamental o contacto pessoal que se consegue. Podemos estar semanas a falar de um livro e chegamos aqui e fechamos o negócio. Se não tivéssemos tido esse contacto anterior, não teríamos conseguido fechar o negócio, mas se não tivéssemos vindo aqui também não o teríamos fechado”, acrescenta.


O valor do “networking”

Desde há 24 anos que na feira existem vários pavilhões, sendo o 8 o mais distante. Em 2015, esse pavilhão vai aproximar-se dos outros. “A feira até aqui tinha os pavilhões 3, 4 e 5, que se localizam em redor de uma área aberta, uma praça a que chamamos Ágora, e que fica perto do Fórum onde todos os anos se localiza o pavilhão do país convidado. E tinha ainda o Pavilhão 8, onde se agrupam os países de língua inglesa”, explica ao PÚBLICO o brasileiro Ricardo Costa, que trabalha em São Paulo, no escritório da Feira do Livro de Frankfurt na América do Sul. “Esse Pavilhão 8 fica muito distante de todo este centro da feira. No mínimo são 20 minutos para ir lá e outros vinte para voltar a centro da feira, onde estão todos os outros países. E não há dúvida nenhuma de que os editores de língua inglesa são os editores com quem toda a gente quer falar. Essa mudança ocorre para que todos os editores fiquem mais próximos. Ganha-se tempo. O forte da Feira de Frankfurt são os negócios e para as pessoas fazerem negócios têm de economizar tempo. Gastar 40 minutos para ir e voltar do Pavilhão 8 é muito complicado num dia de trabalho.”

Este ano já aconteceram mudanças como a inauguração do Business Club, que é um novo foco da feira e se destina também àquelas pessoas que chegam à feira e não sabem por onde começar para tirar proveito da sua vinda. “Este ano, alguns editores já comentaram comigo que estão percebendo que o grande centro da feira está se tornando o networking, a troca de ideias e a rede de contactos. Isso tem um valor muito grande e por isso foi criado o Business Club. Ao longo dos anos, as pessoas têm pedido mais espaço e oportunidades de networking”, explica Ricardo Costa. Para o Business Club pode ser comprado um passe diário (perto de 600 euros) ou um passe semanal (cerca de mil euros) e tem-se acesso a várias conferências que antigamente estavam espalhadas pela feira: a CONTEC Frankfurt (onde se costuma discutir o futuro do sector), a Frankfurt StoryDrive (ligada à produção de conteúdos transmedia) e o Seminário Internacional de Direitos de Autor.

“Este ano o bilhete para um dia do Business Club estava mais barato do que a entrada o ano passado na conferência CONTEC e este ano a Contec está dentro do Business Club”, contrapõe Ricardo Costa quando afirmamos que ser membro deste clube não é barato. “A intenção é atender esse público diferente que vem à Feira do Livro de Frankfurt não tanto para concretizar negócios, mas para fazer networking, para trocar de ideias, conhecer pessoas, assistir a palestras. Esse novo público precisa de outras oportunidades”, conclui.

É também isso que a organização da Feira do Livro de Frankfurt tem tentado fazer em todo o mundo. O escritório em São Paulo abriu no ano passado, quando o Brasil foi o país convidado, e é uma forma de levar as actividades da Feira do Livro de Frankfurt para o Brasil e, num futuro próximo, para a restante América Latina. Organizam conferências, workshops, cursos, viagens de editores para o Brasil e do Brasil para a Alemanha. E já há escritórios iguais em Nova Deli, Pequim, Moscovo e Nova Iorque.

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