Guo Guangchang, o investidor que bateu a concorrência na corrida pela ES Saúde

Já comprou um arranha-céus em Nova Iorque e um estúdio em Hollywood. Está a caminho de ser dono do Club Med. Em Portugal, estreou-se com a Fidelidade. Tudo começou na universidade em que estudou filosofia.

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Daniel Rocha

Desde os tempos de estudante de filosofia que Guo Guangchang, nascido numa família pobre chinesa, se mostrou um entusiasta da iniciativa privada. Aproveitou a abertura da China ao ocidente, no final do século passado, e soube fazer investimentos que o tornaram um self made milionário. Este ano, veio às compras a Portugal.

A sociedade de investimento Fosun, que Guo fundou, já tinha concluído em Maio a compra de 80% das seguradoras Fidelidade, Cares e Multicare, até então na mão da Caixa Geral de Depósitos. O preço rondou os mil milhões de euros. A cerimónia a oficializar o negócio aconteceu na China, com a presença de Cavaco Silva e do homólogo chinês, Xi Jinping.

Quatro meses volvidos, a Fosun apresentou no final de Setembro uma proposta de compra da Espírito Santo Saúde, uma empresa dona de vários hospitais e que faz parte do Grupo Espírito Santo, entretanto em fase de desmantelamento.

A táctica da empresa controlada por Guo não foi usual. Foi o último a chegar, avançou como o maior preço e, antecipando-se à concorrência, subiu a sua própria oferta. Quando a Fosun surgiu na corrida, a empresa liderada por Isabel Vaz já tinha sido alvo de duas ofertas. A dona da Fidelidade (onde a Caixa Geral de Depósitos ainda é accionista) começou por apresentar uma oferta de 4,72 euros por acção para ficar com o controlo do grupo de saúde, superando qualquer um dos preços oferecidos pelos concorrentes. E, numa altura decisiva para o desenrolar da OPA, surpreendeu ao subir a parada, revendo o seu próprio preço em dez cêntimos e encurtando a margem aos restantes interessados.

Nessa altura, o Grupo José de Mello Saúde já tinha anunciado que desistira da operação, mas os mexicanos do grupo Angeles ainda podiam subir a oferta. Acabaram por não o fazer, deixando a Fosun isolada. Fora da pista está a correr a Amil, detida por um grupo norte-americano, que tem tentado adquirir a ES Saúde fora da bolsa. Os accionistas têm até sexta-feira para decidir se vendem as acções à empresa de Guo (na China, o apelido precede o nome próprio).

O objectivo da empresa chinesa é conseguir uma participação de pelo menos 50,01% da ES Saúde. No limite, se conseguir ficar com 100% na oferta que termina no final desta semana, a Fosun terá de passar um cheque de 460 milhões de euros, montante que será financiado com fundos próprios.

Aprendiz de Buffet
As empresas portuguesas que têm suscitado o interesse de Guo encaixam no trajecto que o empresário tem seguido. A Fosun foi criada em 1992 com três colegas que conheceu na universidade. Fez desde então investimentos nas áreas da saúde, seguros, turismo, imobiliário e indústria pesada. 

Dificilmente os investimentos poderiam ser mais diversificados. Incluem um arranha-céus no centro de Nova Iorque (custou 725 milhões de dólares), um estúdio de cinema em Hollywood e uma marca de roupa de luxo (St. John). Recentemente, o grupo fez uma oferta de compra do Club Med. Ontem, a administração da conhecida cadeia hoteleira recomendou aos accionistas que aceitassem a proposta, abrindo caminho ao desfecho da operação.

A incursão em negócios de longo prazo, como o das seguradoras, tem servido para financiar as apostas nas áreas de consumo. É uma estratégia com os olhos postos na expansão da classe média na China. “O nosso foco é avançar para sectores onde a vida da classe média chinesa pode ser melhorada: saúde, viagens, lazer, educação e Internet”, afirmou Guo numa entrevista à Bloomberg Businessweek, em Junho. “Chamamos a isto casar o crescimento chinês com os recursos globais”, disse, usando um mantra da empresa. 

Guo Guangchang, de 47 anos, é frequentemente descrito na imprensa internacional como o Warren Buffet da China (o nome do conhecido magnata americano, aliás, é frequentemente usado como rótulo de sucesso para descrever investidores de vários países; do Canadá à China, há vários “Buffets”).

Porém, numa entrevista à televisão americana CNBC, classificou-se a si próprio de uma forma mais modesta, ao afirmar que era apenas “um aprendiz” daquele investidor. “Esperamos desenvolver a nossa própria força e tornarmo-nos discípulos bem-sucedidos de Buffet na China”, acrescentou.

Vendedor de pão
De acordo com a Hurun Report, uma publicação chinesa conhecida por publicar a lista dos mais ricos no país, Guo está em 32º lugar na lista dos chineses milionários, com uma fortuna de 3700 milhões de euros. Ainda assim, muito longe do amigo Jack Ma, o fundador da Alibaba, uma enorme empresa de vendas online, que recentemente fez a maior entrada em bolsa da história e que se tornou no chinês mais rico, com uma fortuna em torno dos 20 mil milhões de euros (os cálculos para estas listas variam consoante as publicações e a Bloomberg coloca Guo no 12º lugar).

A Fosun e a Alibaba tornaram-se recentemente parceiras de negócio. A gigante da Internet, que já tem um serviço de pagamentos electrónicos semelhante ao PayPal, obteve autorização para criar um banco na China. Uma subsidiária da Fosun será dona de 25% desta nova empresa. Com este passo, Guo diversifica ainda mais os negócios, com uma vertente financeira.

Nem só nos negócios Guo e Jack Ma têm afinidades. Foi o criador do Alibaba quem incentivou o fundador da Fosun a praticar arte marcial chinesa tai chi, que visa um equilíbrio mental e de que uma das modalidades implica movimentos lentos e é frequentemente praticada nas ruas.

A história de Guo é um exemplo típico do jovem pobre com espírito empreendedor que subiu a pulso. Enquanto estudante de Filosofia na universidade de Fudan, em Shangai, recebia uma bolsa do Estado. Mas, como o dinheiro não chegava, vendia pão no dormitório universitário. Ganhava com isso o que seriam hoje um pouco menos de cinco euros por dia. Em 1999, já presidente de uma empresa que facturava milhões, viria a tirar um MBA na mesma universidade.

Terminado o curso, trabalhou três anos na juventude do Partido Comunista Chinês. Em 1992, decidiu responder ao apelo do antigo líder da China Deng Xiaoping, que fomentou as relações do país com o resto do munto e incentivou o crescimento da economia não estatal. Juntou-se ao resto da equipa fundadora, entre os quais estava um estudante de Genética - Liang Xinjun, hoje o presidente executivo - e uma estudante de Ciências da Computação, Tan Jian, cujas relações familiares ajudaram a empresa a prosperar.

Com o apoio da universidade, reuniram algum capital e os primeiros passos foram na área da saúde. O grupo de jovens empreendedores decidiu transformar investigação académica da Universidade de Fudan num negócio e em 1993 começaram a vender uma tecnologia para o diagnóstico de anticorpos da hepatite. 

Guo casou com Tan, cujo pai, um académico influente, ajudou a abrir portas na indústria farmacêutica durante os anos de arranque da Fosun. O casal divorciou-se ao fim de alguns anos e Guo tornou a casar, desta vez com uma conhecida apresentadora de televisão de Shangai. O empresário, que tem três filhos, tinha até então uma vida discreta, mas passou a aparecer nas páginas das revistas sociais, conta o jornal South China Morning Post

No mês passado, Guo esteve em Lisboa, num jantar com o nome da empresa, organizado pela Fidelidade, e em que participaram 330 pessoas, entre as quais o vice-primeiro ministro, Paulo Portas, e o ministro da Economia, António Pires de Lima. Depois de um discurso inicial – feito em chinês, como habitualmente – Guo surpreendeu pela informalidade: com um copo de vinho, fez questão de brindar em cada uma das mesas. Com Pedro Crisóstomo

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