A Europa não "tem razões para entrar em pânico" por causa do ébola, diz director regional da OMS

Luís Sambo, director regional para África da Organização Mundial da Saúde, diz que a "apatia inicial" na Guiné-Conacri teve resultados desastrosos. OMS continua a "correr atrás" do surto, mas espera ter a situação mais controlada dentro de 90 dias.

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Luís Sambo, director regional para África da OMS Adriano Miranda

O risco de propagação do ébola para fora de África existe, mas por enquanto não há razões que justifiquem o pânico na Europa. Esta foi a mensagem que o director regional para África da Organização Mundial de Saúde (OMS), Luís Sambo, vincou nesta terça-feira na Universidade do Porto, numa conferência dedicada à epidemia que, desde Dezembro de 2013, já matou 3465 pessoas e infectou outras 7541. O vírus já infectou pelo menos uma pessoa em Espanha e outra que viajou de África e cujos sintomas da doenças já surgiram nos Estados Unidos.

“Não há razões para pânico. Um caso de infecção intra-hospitalar como o que sucedeu em Espanha pode ser controlado. Nós tivemos os exemplos das epidemias no Senegal e na Nigéria que foram contidas, o que, neste momento, nos deve tranquilizar”, afiançou Luís Sambo, no final da conferência, aos jornalistas que o questionaram sobre a necessidade de reforço da vigilância na Europa, sobretudo depois de uma enfermeira espanhola se ter tornado na primeira pessoa a contrair o vírus fora das fronteiras africanas – o contágio terá partido dos missionários infectados que, em Setembro, foram assistidos num hospital de Madrid.

Por enquanto, e apesar das previsões que apontam para a inevitabilidade de novos casos dentro das fronteiras europeias, o director regional para África da OMS diz não crer que um reforço da vigilância se justifique na Europa. “O que nós aconselhamos é que todos os países estejam preparados para, no contexto do regulamento sanitário internacional, responder a uma eventual epidemia”, declarou.

Em sintonia, o director regional para a Europa da OMS, Zsuzsanna Jakab, declarou à agência Reuters que “é inevitável” que apareçam novos casos de contágio por aquele vírus mortal na Europa, dada a circulação de pessoas entre este continente e o continente africano. “Mas o importante”, ressalvou, “é que a Europa continua a estar sob baixo risco e a Europa Ocidental, em particular, é a mais bem preparada do mundo para responder a febres hemorrágicas virais, incluindo o ébola”.

Estas declarações surgem apenas um dia depois de o britânico Derek Gatherer, da Universidade de Lencaster, ter apontado uma probabilidade de 75% de o vírus chegar a França ainda em Outubro e de 50% de chegar ao Reino Unido, na mesma altura, caso o tráfego aéreo continue a processar-se sem quaisquer alterações.

Apatia inicial
Desde que este surto eclodiu na Guiné-Conacri, em Dezembro, o ébola já matou 3465 pessoas e infectou 7541. É um balanço incomparavelmente mais catastrófico do que a soma dos 22 surtos anteriores. Até Dezembro passado, e desde que este vírus que foi descoberto, na República Democrática do Congo, em 1976, numa aldeia atravessada pelo rio Ébola, as autoridades tinham-lhe imputado apenas 1590 mortes e 2388 casos de contágio. “Desta vez, o vírus tem uma dinâmica de contágio de homem para homem diferente dos surtos anteriores e um potencial muito maior de se espalhar internacionalmente”, nota Luís Sambo.

O cenário poderia não ter sido tão catastrófico se a actuação no terreno tivesse começado mais cedo. “A epidemia eclodiu num meio muito pobre onde não existiam – e não existem – os meios para atender aos problemas rotineiros de saúde e sobretudo a problemas extraordinários, como é o caso de uma pandemia”, recordou Sambo. Mas o problema não foi só esse. “O sistema de vigilância epidemiológica na Guiné não funciona a nível local. Portanto, houve uma apatia durante os primeiros meses de epidemia”, acusou o líder regional da OMS.

Efectivamente, o surto começou em Dezembro de 2013, numa aldeia remota, e só no dia 11 de Março de 2014 é que a informação chegou à capital do país. A OMS viria a ser notificada a 13 de Março. A confirmação oficial do surto de ébola na Guiné data de poucos dias depois, 21 de Março. “Este período de intervalo foi uma catástrofe, porque o vírus foi-se espalhando sem nenhum tipo de intervenção”.

Falta de dinheiro
Acresce que a OMS, como reconheceu o seu director regional para África, foi “infeliz” na forma como subavaliou a situação no terreno. “Registou-se um ligeiro decréscimo no número de casos e ficámos felizes, porque julgávamos que a epidemia estava a diminuir. Só mais tarde percebemos que aquela diminuição se tinha devido ao facto de as pessoas terem deixado de notificar os casos por motivos religiosos”. Na Guiné, cerca de 95% da população é muçulmana e, aparentemente, o surto coincidiu com uma altura de peregrinações a Meca.

Entretanto, o vírus galgou fronteiras. Foi declarado na Libéria, no dia 31 de Março e, nas semanas e meses seguintes, alastrou à Serra Leoa, Nigéria e Senegal. E o problema é que, “em África, a OMS não tem o financiamento que deveria ter para intervir neste tipo de epidemias”.

Hoje, Luís Sambo diz-se convencido de que, “se tivesse havido uma intervenção mais forte logo no início, as hipóteses de contenção da epidemia teriam sido muito maiores". A verdade é que o vírus está longe de estar controlado. A OMS, segundo aquele responsável, ainda está “a correr atrás do surto, em vez de estar a controlá-lo e a contê-lo”. Apesar disso, no final da conferência, Luís Sambo mostrar-se-ia um pouco mais optimista. “Pensamos que nos próximos noventa dias será possível inverter a tendência da epidemia e eventualmente controlá-la”, admitiu, para, pouco depois, dar o dito pelo não dito: “É difícil dar certezas ou estabelecer prazos.”

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