Luz Casal no CCB: dez anos não é muito tempo

No CCB, em Lisboa, Luz Casal tentou compensar uma ausência de uma década revisitando a sua carreira. O disco novo foi apenas um pretexto.

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Luz Casal Jean-Baptiste Mondino

Pondo fim a uma ausência de dez anos dos palcos portugueses, Luz Casal apresentou-se na noite de dia 29 de Setembro na Casa da Música, no Porto, e na noite de dia 30 no Grande Auditório do CCB, em Lisboa. Se é verdade que trazia na bagagem um disco novo, de 2013, deste só foram ouvidas em Lisboa três canções: o tema-título, Almas Gemelas, e versões de dois temas de Tom Jobim.

A cantora optou, e talvez os dez anos de ausência o tenham justificado, por retomar temas seus de outras épocas, com particular incidência em quatro dos seus cinco discos anteriores: La Pasión (2009), Sencilla Alegría (2004), Con Otra Mirada (2002) e Un Mar de Confianza (2000). Só ficou de fora Vida Tóxica (2007), publicado logo após o seu combate vitorioso contra um cancro.

Com cinco músicos em palco (teclas, guitarras e bateria), Luz entrou no palco absolutamente às escuras. Um longo (talvez demasiado longo) intróito dos músicos foi desenhando o perfil sonoro de Almas gemelas, que ela entrou a cantar depois, sublinhando os lances dramáticos da ranchera: “Verdad que somos inseparables? /Almas gemelas que en un instante/ cruzan mensajes, cruzan fronteras.” Aliás, a dramaticidade é um dos elementos-chave da vocalização de Luz Casal, que ele gere com firme subtileza, perdendo-se apenas nos cambiantes quando a voz rasa o sussurro.

Os três temas seguintes, com a voz de Luz ainda sem adquirir as suas capacidades plenas, vieram de La Pasión, o disco anterior: Como la cigarra, Alma mía e Historia de un amor, esta aplaudida logo ao início. Sentir, parceria dela com Pedro Ayres Magalhães, teve uma interpretação à altura, num muito bom registo vocal. O público reagiu com justos aplausos, redobrados aos primeiros acordes de Entre mis recuerdos, um dos seus temas fortes. No me importa nada manteve o público atento até à segunda incursão no novo disco: Wave e Triste, dois temas de Tom Jobim que Luz cantou o melhor que pôde, adaptando-lhes a essência à expressão do seu próprio canto.

Aproveitando a familiaridade linguística, Luz pôs a plateia a cantar, primeiro a medo e depois com expressão mais convicta, o refrão de Un nuevo dia brillará. Depois, Piensa en mi repetiu o efeito do reconhecimento imediato: palmas aos primeiros acordes e uma interpretação cheia e sentida, muito aplaudida no final. Com Negra sombra, mudou-se o registo: versos de Rosalía de Castro numa interpretação de magia telúrica no pulsar do sangue (Luz nasceu na Galiza); e uma canção-símbolo de Violeta Parra, Gracias a la vida, numa homenagem latino-americana. Cenizas, No, no y no e Um año de amor deram oficialmente por findo o espectáculo.

Mas haveria, ainda, mais cinco canções no encore a juntar às 16 já apresentadas. Primeiro, só voz e piano, Lo eres todo e Inesperadamente, segundo tema da noite com a “mão” de um português (Rui Veloso, autor da música). Depois, já com todos os músicos de volta ao palco, Besaré el suelo, solta e robusta, e em seguida um mergulho no rock, lembrando que foi nesse terreno que Luz Casal começou a ser conhecida na música. Primeiro com Dame um beso, ranchera-rock que de algum modo abriu caminho à ranchera de Almas gemelas; e Plantado en mi cabeza (do disco Como La Flor Prometida, de 1995), pose ainda mais rockeira e um pulsar eléctrico a condizer.

Valeu a pena esperar dez anos para ver e ouvir Luz Casal, embora o seu máximo vá mais além, como a segunda parte do espectáculo confirmou. Ficou a faltar, ao vivo, quase todo o Almas Gemelas. O que não deixa de ser um bom pretexto para que ela regresse – a estes palcos onde é sempre bem-vinda.

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