O que muda com António Costa à frente do PS

Dos contactos, por agora “informais”, com movimentos de esquerda ao “talento negocial”. Estas são as referências de Costa que justificam a expectativa dos socialistas.

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António Costa Enric Vives-Rubio

Os cépticos chamam-lhe “D. Sebastião”. Os seus apoiantes preferem, como Helena Roseta, considerar que ele é “a pessoa certa, no momento certo”. Seja qual for o ponto de vista, António Costa promete mudar. E as expectativas são altas.

A sua biografia política é, a esse respeito, esclarecedora. Costa estava no círculo político restrito que aconselhou Jorge Sampaio na, até agora, única experiência relevante de acordos políticos à esquerda. Com apenas 26 anos, e já na altura com 12 anos de miltância partidária, integra o secretariado do PS que decide avançar para uma coligação pré-eleitoral com o PCP e outras forças de esquerda para a Câmara de Lisboa. E é a Costa que Sampaio, o secretário-geral do partido, confia, em 1989, a novidade sobre o cabeça de lista da histórica candidatura: “Sou eu.”

Hoje, 25 anos depois, é Costa que dirige a câmara, embora não tenha o apoio dos comunistas. Mesmo assim, ganhou três eleições, sempre em crescendo: maioria relativa, maioria absoluta na câmara, maioria absoluta na câmara e na assembleia. Lidera uma vereação a que Helena Roseta chama “PS mais”. Uma plataforma que juntou ao PS dois movimentos independentes - o de Roseta e o de Sá Fernandes - num “acordo coligacional” que só não foi, mesmo, uma coligação porque os parceiros não eram partidos políticos. E tudo nasceu de uma desavença…

Em 2007, Helena Roseta quis avançar para a câmara, mas o PS, à época liderado por Sócrates, ignorou. O partido acabou por desafiar Costa, que era o número dois do Executivo, ministro de Estado e da Administração Interna. Costa aceitou, mas tratou logo de telefonar a Roseta, que se tinha desvinculado do partido. Costa ganha, com maioria relativa, e Roseta, que queria “contribuir para a governação da cidade”, é eleita. Ambos estreitam laços de confiança. O mesmo se passou com José Sá Fernandes, que foi eleito pelo Bloco de Esquerda mas a quem o partido, a meio do mandato, retirou a confiança política. Ambos, Roseta e Sá Fernandes, apoiam Costa desde então.

“Em Portugal parece que ninguém gosta de negociar, de chegar a acordos”, nota Roseta. Costa é, nesse aspecto, diferente. Gosta e tem “talento negocial”. Quando chegou à câmara, lembra Roseta, havia mil funcionários a recibo verde e regras draconianas para novas admissões na Administração Pública. “Ele teve uma ideia simples e genial, criou um tribunal arbitral e, num ano, estava tudo resolvido.” 

Hoje, lembra um dos dirigentes socialistas mais próximos de Costa, essa experiência em Lisboa é “uma antecipação do que se passa no país”. Costa chega à liderança mantendo “contactos informais” com os movimentos de esquerda que se têm mostrado disponíveis para falar com o PS sobre governação: o LIVRE e o Fórum Manifesto, que saiu, recentemente, do Bloco. “Esse espaço de diálogo não existia”, lembra este socialista.

Porém, Costa e Miguel Portas, o fundador da Manifesto, mantiveram acesos debates políticos, desde os tempos da associação de estudantes do liceu Passos Manuel. “Iniciámos então uma nunca esgotada negociação, que alimentámos ao longo de todos estes anos, tantas vezes sem qualquer propósito, que não a amizade e o gosto de desafiarmos os acordos impossíveis”, lembrou Costa, na cerimónia de homenagem a Miguel Portas, em 2012.

“Parte da expectativa criada em torno de Costa nasce aqui”, sublinha Gustavo Cardoso, sociólogo, professor no ISCTE. António Costa mostrou que, apesar de difícieis, os acordos políticos “são possíveis”. E agora, com uma evidente “aceleração do tempo político”, podem até ser uma condição para o êxito do projecto socialista. Costa tem, considera Gustavo Cardoso, “um mandato para agir de forma diferente”.

E se, como gosta de lembrar Augusto Santos Silva, o ponto de vista é a visão que se tem do ponto onde se está, Costa tem, para os seus apoiantes, um olhar privilegiado. Conhece a história do partido, dos seus êxitos aos seus fracassos. Já estava na JS quando as famílias social-democratas na Europa prosperavam. Acompanhou as vitórias do “socialismo democrático” em Portugal, sem nunca cortar “as pontes” com o outro lado, o PCP e a extrema-esquerda. Ser-lhe-ia difícil fazê-lo. Tinha muitos amigos desse lado. E o seu próprio pai, o escritor Orlando da Costa, foi um histórico militante comunista, que gostava de debater política e se habituou com dificuldade a ouvir o filho referido como “o doutor António Costa”, em vez do tratamento caseiro que lhe dispensava: babush, menino, em concanim, de Goa. 

Contudo, a vida política de Costa, quase 40 anos de militância em 54 anos de vida, é suficientemente longa para conhecer vários fracassos. Dos pequenos - as derrotas eleitorais, as zangas no aparelho - aos grandes, como o apogeu e queda da “terceira via” ou a queda do último Governo do PS, com o resgate financeiro.

António Costa é paciente - a ponto de construir puzzles de nove mil peças - e gosta de baixar as expectativas. Foi assim que atravessou esta campanha interna, sempre sem grandes proclamações quanto ao futuro. A sua linha de argumentação - há uma negociação a fazer na Europa, mas Portugal não pode ficar dependente das variáveis de um processo que não controla - não o “amarra”, nem o compromete. Parece claro que não vai defender, à partida, um processo de renegociação da dívida. Mas dizem os seus apoiantes que, com ele, a “interpretação da crise” é muito diferente daquela que Seguro adoptou.

Para já, é dele, como gosta, a iniciativa. A diferença é apenas uma, e relevante: agora é ele o número um.

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