Aviões de combate a incêndios alugados fora da lei por dois milhões, revela Tribunal de Contas

Ajuste directo foi autorizado por despacho do ministro da Administração Interna. Protecção Civil recorre da recusa de visto.

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Neste momento só há três helicópteros Kamov a operar Vasco Célio

Foram alugados fora da lei dois dos aviões que andaram este Verão a combater incêndios, revela um acórdão do Tribunal de Contas. Autorizado por despacho do ministro da Administração Interna, o aluguer corresponde a uma despesa que, apesar de ultrapassar os dois milhões de euros, foi contratada por ajuste directo pela Autoridade Nacional de Protecção Civil.

Aquela entidade garante que ainda não pagou à sociedade unipessoal a que alugou as aeronaves no final de Maio, acrescentando que já recorreu da recusa de visto do Tribunal de Contas. Os aviões já efectuaram a maior parte do serviço, que começou no início de Junho e se prolonga até fim de Outubro. O aluguer de cinco meses já vigorava há 11 dias quando foi submetido aos juízes para fiscalização prévia. Já no ano passado a Protecção Civil tinha procedido de forma semelhante, ao invocar motivos de urgência para contratar, em cima da hora e também sem concurso público, meios aéreos de combate aos fogos.

No despacho de Maio deste ano em que determina o aluguer por ajuste directo, o ministro Miguel Macedo invoca o facto de dois dos helicópteros Kamov habitualmente usados para esta missão estarem inoperacionais. Um encontrava-se acidentado desde Setembro de 2012, “não sendo ainda possível a sua reparação, por se estar a aguardar autorização das entidades russas para o envio do motor para a Rússia para peritagem”, explicou a Protecção Civil ao Tribunal de Contas, enquanto o outro estava avariado desde Agosto de 2013. O despacho governamental refere ainda não ser possível o lançamento de um concurso público internacional a tempo da época de incêndios de 2014.  Perante tal argumento, a dedução lógica do Tribunal de Contas é simples: se os Kamov estavam inoperacionais há tanto tempo, por que razão não foi lançado um concurso com a devida antecipação?

Aparentemente, por  falta de dinheiro. “A autorização para a realização da despesa só veio a ser proferida através de uma resolução do Conselho de Ministros de Março de 2014”, respondeu a Protecção Civil aos juízes. Porém, os magistrados não se comoveram. “A justificação relativa à inexistência de meios financeiros atempadamente disponíveis (…) não pode justificar a ilegalidade dos procedimentos”, escrevem no acórdão emitido este mês, que chama ainda a atenção para o facto de o atropelo à lei ser susceptível de tornar nulo o contrato firmado entre a Protecção Civil e a sociedade unipessoal Agro-Montiar, a única entidade convidada para fornecer o serviço. Contactado pelo PÚBLICO, o responsável pela empresa, Carlos Craveiro, não se mostrou disponível para prestar declarações esta segunda-feira, tendo remetido esclarecimentos para mais tarde. Já o Ministério da Administração Interna remeteu o assunto para a Protecção Civil.

Agora que o serviço já foi prestado, quem autorizou a despesa arrisca-se ou a uma multa ou a repor nos cofres do Estado as verbas indevidamente gastas.

A contratação de meios aéreos de combate a incêndios sem concurso não constitui uma novidade. Já em 2010 a EMA – Empresa de Meios Aéreos, hoje em processo de extinção, despendeu 840 mil euros em alugueres de helicópteros e aviões por ajuste directo.  

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