Luz Casal: “As canções surgem-me como visões, flashes subtis”

Almas Gemelas é o novo disco da espanhola Luz Casal, e chega agora aos palcos portugueses: segunda-feira na Casa da Música, Porto, terça no Centro Cultural de Belém, Lisboa.

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Cinco anos depois de La Pasión, e de uma luta (que ganhou) contra um cancro, Luz Casal regressou aos álbuns de originais com Almas Gemelas, que segunda e terça-feira será apresentado ao vivo no Porto (Casa da Música, 21h) e em Lisboa (Centro Cultural de Belém, 21h). É, de certo modo, uma extensão do espírito vital do anterior, mas agora centrado em originais, quase todos de sua autoria, a par de versões de canções francesas, italianas e brasileiras.

Luz Casal, agora com 55 anos, explica as raízes deste novo trabalho: “Sabia que um dia iria fazer um disco com boleros, canções clássicas dos anos 30, 40, 50. Tive tempo para investigar, conhecer autores, intérpretes, escutar gravações. Essa foi a razão de ser de La Pasión. Mas, pelo meio, tinha coisas escritas, esboços do que podiam ser futuras letras ou possíveis melodias. E há ideias dessas no novo disco, como Paisajes, Ella y yo, anteriores a La Pasión.”

Ouvindo o tema que dá nome ao disco, uma ranchera, pensa-se de imediato em La Pasión. Mas a inspiração vem de trás: “Curiosamente, é uma continuação da canção Dame un beso [do disco Com Outra Mirada], uma ranchera-rock. Em Almas Gemelas as primeiras palavras que compus foram ‘Verdad que somos inseparables?’ E era uma ranchera. Pensei: se já me sucedeu uma vez, que seja. São canções muito parecidas.”

Almas Gemelas foi a última a ser acabada. “Não é uma canção de amor, mas a história de alguém com quem nos sentimos bem. Então, ao ver que gravei outras canções que foram aparecendo na minha vida, como as italianas, francesas ou brasileiras que fazem parte deste disco, vi que elas complementavam as canções originais. E pensei: são almas gémeas! Embora sejam canções de estilos, épocas e idiomas diferentes.”

Na edição internacional, o disco chama-se apenas Alma e tem 11 temas. Mas a edição espanhola, que é também a que se encontra no mercado português, tem dois CD numa caixa, um só com as canções originais (dez temas) e outro com as versões (sete temas).

Entre as canções originais, só uma não tem letra dela, Si vas al olvido. Escreveu-a Carlos Lencero, “um escritor basicamente de letras de flamenco que tinha problemas com o álcool, graves, e morreu muito jovem": "Essa canção fica como uma homenagem que eu lhe faço, embora não em vida. Tentei deixar esse aroma flamenco na canção, embora seja a mais rockeira de todo o álbum. É uma mistura rara.”

Mais forte do que a nudez
Entre as versões, há duas francesas e duas italianas, ambas de Luigi Tenco. “Gravei duas canções que tinha gravado a Dalida. O irmão dela insistia muito comigo para que gravasse canções como aquela que intitulámos 18 anos, uma história de amor entre uma mulher adulta e um jovem. Como a vida amorosa de Dalida tinha sido muito instável, deparei com Luigi Tenco [seu namorado nos últimos anos de vida, até ser encontrado morto num hotel, aos 28 anos, com um tiro na cabeça; a tese oficial foi de suicídio, mas as circunstâncias levaram a suspeitar de assassínio]. Eu já o conhecia de ouvido, desde pequena, porque em Espanha, pelo menos na minha infância, ouvia-se muita música dos países vizinhos: França, Portugal, Itália, Grécia. Lembrava-me da canção mais famosa dele, Ho capito che ti amo. Comecei a cantá-la ao vivo, essa e Mi sono innamorata di te, e a reacção positiva do público levou-me a gravá-las.”

Francesas, gravou Amazone à la vie (de Julien Clerc) e Jardin d’Hiver, que teve uma versão definitiva de Henri Salvador. “Essa canção está assinada por Benjamin Biolay e Keren Ann Zeidel. O primeiro concerto que Keren deu como Keren Ann foi comigo, no Olympia de Paris. É, para mim, uma cantora e compositora muito especial.”

Depois vêm as brasileiras, todas elas com assinatura de Tom Jobim: O amor em paz, Wave e Triste. “Escolhi-as seguindo a pauta mais simples: as que estavam na minha cabeça. Há canções brasileiras imponentes que eu não cantarei, como Águas de Março, porque depois de ter sido cantada por Elis Regina já não posso cantá-la.” O impulso, contudo, veio da presença de Eumir Deodato, que voltou a assumir os arranjos, como em La Pasión (outra presença repetente é a de Renaud Létang): “Senti-me segura, se não estivesse bem ele dizia-me. Cantar canções tão relevantes na música popular brasileira e com um músico como ele era agora ou nunca.”

O que quer Luz Casal dizer ao seu público com este novo trabalho? “Não tenho um conceito ou uma ideia clara. Mas há anos que tenho a sensação de que uma das coisas que gosto que os meus discos transmitam é uma certa esperança. É um propósito, isto não quer dizer que a esperança exista em cada canção, até porque algumas têm verdadeiramente desesperança. Mas há sempre uma janela aberta, uma maneira quase impudica de dizer: isto é assim e pronto. Mais forte do que a nudez física é expor os sentimentos de certos períodos da minha vida, desde Vida Tóxica. Eu não sou cronista, as canções surgem-me como visões, flashes subtis. São as interpretações que delas faz o público que as tornam distintas. Às vezes é o desejo de que as coisas mudem.” 

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