Três ideias para um mundo menos precário

No dia em que o P3 comemora três anos pedimos a algumas pessoas que fossem o génio da lâmpada e apresentassem três ideias de futuro. O engenheiro do ambiente João Camargo propõe o fim das empresas de trabalho temporário

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Navesh Chitrakar/Reuters

Precariedade

1) Acabar com as empresas de trabalho temporário


A ilegalidade é a norma das relações de precarização de quem trabalha em Portugal. Governo, câmaras municipais e empresas, todos utilizam a ilegalidade: centenas de milhares a falsos recibos verdes, a falsos estágios, a falsos Contratos de Emprego-Inserção, a falso trabalho temporário. O cumprimento da lei, vã miragem mas a que devemos aspirar, seria um importante golpe naqueles que assaltam e degradam quem trabalha. As empresas de trabalho temporário têm uma natureza duplamente perniciosa: além de utilizarem o falso trabalho temporário, contratando temporariamente para posições permanentes, utilizam o trabalho temporário, de forma legal, para capturar em muitos casos mais de metade dos salários de centenas de milhares de pessoas que trabalham assim. É a estes angariadores de mão-de-obra semi-escrava que o Governo quer entregar mais de um milhão de desempregados e precários. Estas empresas mafiosas não têm lugar numa sociedade que aspire à dignidade para a cidadania.

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João Camargo, engenheiro do ambiente, trabalhador a “part-time” e activista dos Precários Inflexíveis


Economia

2) Cancelamento internacional de dívidas públicas e taxação acima de 90% das actividades especulativas e sobre lucros obtidos com juros


As principais pressões postas sobre as sociedades de hoje são fruto da financeirização das economias. O controlo do dinheiro pela finança foi determinante para impedir a distribuição da riqueza e forçar ao endividamento (privado e público). As armadilhas das dívidas públicas são neste momento a principal maneira de impedir políticas que beneficiem as populações e que melhorem o planeamento da economia para satisfazer necessidades básicas de Educação, Saúde, Habitação, Alimentação, Trabalho e Ambiente. Juntam-se os juros usurários e a especulação para percebemos porque é que o ciclo infernal das dívidas nunca pára: é que há muito mais dívida no Mundo do que dinheiro. Nunca será paga e alimenta-se a si mesma, destruindo no caminho os países. A taxação muito acentuada sobre a especulação e os juros serviria para impedir a continuação deste ciclo insano. Um processo de cancelamento internacional e mútuo de dívidas públicas libertaria recursos fundamentais para responder ao desemprego, à crise económica e à crise ambiental que põe em causa a viabilidade do mundo como o conhecemos.


Ambiente

3) Criar um programa de investimento público em adaptação às alterações climáticas


O relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas de Abril de 2014 explica como a acção humana mudou irreversivelmente os sistemas terrestres, oceânicos e climáticos. Este painel é um dos maiores consensos científicos da História, com mais de 1800 cientistas de 70 países. No cenário menos catastrófico os fenómenos extremos —tempestades, tufões, cheias, inundações, incêndios florestais — aumentam cada vez mais, a temperatura e o nível do mar aumenta, o litoral recua, a desertificação intensifica-se. Há um alerta para a urgente redução das emissões, mas já se foca a necessidade de nos prepararmos para as alterações em marcha. A adaptação ao novo clima é uma questão de sobrevivência. É preciso um programa público de emprego em adaptação às alterações climáticas, defesa do litoral, combate à desertificação, diversificação energética ou conservação da natureza (sem fraudes “verdes” como encher as praias de areia). Este investimento faria sentido mesmo se não houvesse alterações. É necessário criar milhões de postos de trabalho para nos prepararmos para aquilo que já está a acontecer. Em contra-relógio.

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