Nove milhões em ajustes directos nos primeiros 20 dias de Setembro

Instituto que gere Citius continua a não abrir concursos públicos para reforma judiciária. Solução de armazenamento de dados foi comprada no dia em que processos deviam ter migrado para novas comarcas.

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Fernando Veludo/arquivo

O Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos do Ministério da Justiça (IGFEJ), que gere a plataforma informática que há 20 dias impede o normal funcionamento dos tribunais de primeira instância, gastou desde o início do mês nove milhões de euros em ajustes directos.

Esse é o valor dos contratos publicados entre 1 e 19 de Setembro na plataforma governamental de contratação pública Base, sendo que 2,3 milhões desta verba dizem respeito à aquisição de serviços informáticos – parte dos quais para a problemática plataforma, que o principal responsável do instituto já veio dizer que ficará inoperacional no máximo daqui a três anos.

É verdade que nem todos os contratos divulgados pela Base neste período datam deste mês: parte deles tinham sido assinados antes, em Julho ou Agosto. Mas foi já a 1 de Setembro, primeiro dia de entrada em vigor da reorganização judiciária, e em que deviam ter migrado virtualmente para as novas comarcas 3,5 milhões de processos, que foi contratada a empresa especializada Novabase para fornecer ao Ministério da Justiça, por 178 mil euros, uma solução de armazenamento de dados. “Torna-se premente a aquisição de uma solução capaz de suportar as alterações estruturais ao nível das tecnologias e sistemas de informação e comunicação que suportam a gestão do sistema judiciário”, escreveu o instituto para justificar a adjudicação. A Novabase comprometeu-se a fornecer a solução no prazo de 30 dias e a instalá-la e configurá-la no prazo de 36 meses.

Já antes, em Junho, tinha gasto 1,1 milhões na aquisição de um service desk destinado a servir os seus clientes. “Equipa e serviços ficarão localizados no IGFEJ”, pode ler-se no contrato, naquele que constitui um dos dois únicos concursos públicos de um total de 60 contratações publicadas pelo instituto no portal Base durante os primeiros 19 dias de Setembro.

A reforma judiciária rege-se por um regime legal especial que a subtrai à lei da contratação pública, que obriga a concurso a partir dos 150 mil euros, no caso das empreitadas, ou a partir dos 75 mil, no caso da aquisição de serviços. Daí que obras como a de ampliação e remodelação do Palácio de Justiça de Setúbal, no valor de 2,7 milhões, ou da reconversão de um edifício da Universidade de Trás-os-Montes em tribunal, no valor de 944 mil euros, tenham sido entregues aos empreiteiros por ajuste directo, o mesmo sucedendo na grande maioria das restantes adjudicações feitas para a reorganização dos tribunais, como a remodelação do Palácio da Justiça de Portalegre (758 mil euros). A opção não foi pacífica: logo no final de 2012, altura em que foi anunciado o regime de excepção, quer a Ordem dos Advogados quer o Sindicato dos Oficiais de Justiça insurgiram-se contra os ajustes directos. Mas o IGFEJ tem alegado que cumprir os prazos impostos pelos concursos públicos implicaria violar os prazos acordados com a troika em matéria de reforma judiciária, salientando que convida sempre pelo menos três empresas para apresentarem propostas.

Seja como for, nem todos os contratos celebrados pelo instituto e divulgados em Setembro foram dispensados de concurso ao abrigo desta excepção legal. A aquisição, em Julho passado, serviços informáticos para “recondicionamento, recertificação e reactivação” de um contrato de manutenção relativo a armazenamento de dados durante o período de um ano, pela quantia de 406 mil euros, é justificada pela alínea da lei da contratação pública que autoriza os ajustes directos nos casos em que, “por motivos técnicos, artísticos ou relacionados com a protecção de direitos exclusivos, a prestação objecto do contrato só possa ser confiada a uma entidade determinada”.

Ao 20º dia de paralisação parcial dos tribunais, por causa dos problemas informáticos, a bastonária dos advogados, Elina Fraga, veio dizer que mesmo a plataforma que a tutela garantiu ter começado a funcionar no início da semana, só para os processos que estão neste momento a entrar no sistema – o chamado novo Citius, por oposição ao velho, onde os processos que já existiam antes de 1 de Setembro continuam “presos”, sem poderem ser tramitados – também não é, afinal de confiança. “O Citius bom ainda é pior que o Citius mau: é um buraco negro, porque há peças processuais lá colocadas pelos advogados que depois não aparecem nos tribunais ”, observa, acrescentando que o problema fez com que muitas providências cautelares se tenham tornado inúteis, uma vez que não foram despachadas a tempo nos tribunais. Não ficam por aqui as consequências do colapso do sistema informático: segundo o presidente da Câmara dos Solicitadores, este mês deviam ter entrado no Citius para serem distribuidos pelos agentes de execução entre 12 a 15 mil processos, mas até agora apenas tinham entrado cinco mil.

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