A última hora da carreira de Jens Voigt deu um recorde do mundo

Ciclista alemão pedalou 51,115km durante 60 minutos e ultrapassou a marca que tinha sido fixada em 2005 pelo checo Ondrej Sosenka. O recorde marca o final de carreira do atleta de 43 anos.

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"Dei tudo nos últimos 20 minutos porque sabia que ainda tinha energia" FABRICE COFFRINI/AFP

“Calem-se pernas e façam o que eu digo.” Esta frase, dita de forma casual durante uma entrevista, marcou a carreira de Jens Voigt e serviu como síntese perfeita do que este alemão foi enquanto ciclista: sofredor, temerário e aventureiro. Nunca venceu uma grande Volta, mas construiu uma reputação e era um dos ciclistas mais populares do pelotão internacional. Já tinha decidido que ia terminar a carreira quando impôs um último desafio às suas pernas de 43 anos: tentar o recorde da hora. E nesta quinta-feira, nos últimos 60 minutos da sua carreira como ciclista profissional, as pernas de Voigt obedeceram-lhe. Na pista do velódromo de Grenchen, na Suíça, o alemão fez 51,115km durante uma hora, ultrapassando o anterior máximo que já vinha desde 2005.

Um dia depois de completar 43 anos, o alemão cumpriu 205 voltas no velódromo e fez mais 1,415km que os 49,7km feitos pelo checo Ondrej Sosenka há nove anos. “É muito mais do que eu imaginava, 51 quilómetros”, declarou o alemão logo após a obtenção do recorde em cima de uma bicicleta Trek, que foi o patrocinador da sua última equipa, e ao som de uma playlist que ele próprio elaborou para o efeito, variando entre o hard rock e o heavy metal, dos AC/DC aos Metallica, iniciando com “Ready to Go” dos Republica e terminando com “Final Countdown”, dos Europe - um mix que incluiu, também, Black Sabbath, Ugly Kid Joe, Air Supply, REO Speedwagon e Bryan Adams.

Não sendo um especialista em contra-relógio, Voigt deu a entender, desde as primeiras pedaladas, que não ia poupar esforços em busca do recorde e, ao fim de dez quilómetros, já ia com 12 segundos de vantagem em relação ao andamento de Sosenka, vantagem que cresceu para 24s aos 20km. A fazer menos de 18s por volta, Voigt teve alguns momentos em que precisou de abrandar, mas, no último terço da prova, falou com as suas pernas e elas responderam. “Acho que parti demasiado depressa e depois tive de abrandar, mas dei tudo nos últimos 20 minutos porque sabia que ainda tinha energia, sabia que estava em vantagem e estava eufórico. Eram os últimos 20 minutos da minha carreira e tinha de dar tudo”, explicou o alemão.

Foram os últimos quilómetros de uma longa carreira em que o próprio calcula ter percorrido mais 850 mil, entre eles 17 Voltas a França (é recordista de participações, a par do norte-americano George Hincapie e do australiano Stuart O’Grady), prova em que venceu duas etapas e em que vestiu a camisola amarela por duas vezes, mas em que não fez melhor que o 28.º lugar (2007). Mas o seu espírito combativo sempre lhe valeu um lugar de destaque entre o pelotão. Ele era o ciclista que entrava em todas as fugas e aquele que se levantava sempre após uma queda violenta.

Nascido em Grevesmuhlen, na antiga República Democrática Alemã, em 1971, Voigt até chegou tarde ao ciclismo profissional, apenas aos 23 anos, depois de ter passado quatro a cumprir serviço militar. Durante a sua longa carreira, Voigt mostrou-se um especialista em provas de curta duração, vencendo por cinco vezes o Critérium Internacional, uma corrida de dois dias, e várias competições de uma semana, como a Volta à Polónia ou a Volta à Alemanha. Agora, terminada a carreira, Voigt terá mais tempo para estar com a sua numerosa família – tem seis filhos. E, garante Voigt, não voltará atrás na sua decisão, como fez, por exemplo, Lance Armstrong: “Nem pensar. Já espremi toda a motivação e energia de mim próprio. Acabou-se.”

À espera dos especialistas

O recorde alcançado por Voigt tem um asterisco. Não é o recorde absoluto da hora, mas sim o recorde da hora segundo as regras definidas pela União Ciclista Internacional (UCI), de acordo com os regulamentos do ciclismo de pista. Assim, passou a ser válido como recorde a marca de Sosenka. Mas houve outros que fizeram melhor, com bicicletas e em posições não regulamentares, sendo que o “melhor esforço humano” pertence ao britânico Chris Boardman, que fez 56,375km em 1996.

Numa prova que já contou com recordistas tão ilustres (na versão UCI e “melhor esforço humano”) como Eddy Merckx, Graeme Obree (um escocês que construia as suas próprias bicicletas), Miguel Indurain ou Tony Rominger, Voigt abriu a porta aos especialistas da velocidade para tentar melhorar a marca estabelecida. Fabian Cancellara, Bradley Wiggins ou Tony Martin (todos contra-relogistas de classe mundial), um destes poderá ser o próximo a tentar.

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