Botelho atira-se a Eça para o "restituir"

O filme de Botelho tem esta virtude: atira-se ao romance de Eça para, na medida do possível, o “restituir” sem o desfigurar e sem se impor a ele

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É engraçado reparar em que um dos “defeitos” mais apontados em massa ao cinema português pela vox populi - que é “muito literário” - não tem assim tanta razão de ser. Há bem pouca “literatura” no cinema português, e o património clássico ainda é quase inexplorado - há proporções a salvaguardar, até pelas diferenças na capacidade de produção, mas pensar por exemplo na quantidade de Balzacs, Flauberts e até Prousts gerados pelo cinema francês; ou imaginar que os franceses esperavam até 2014 para filmar a Madame Bovary...

O filme de João Botelho tem esta virtude, atira-se ao romance de Eça de Queiroz para, na medida do possível, o “restituir” sem o desfigurar e sem se impor a ele. Pode-se argumentar que isto implica um certo apagamento do cineasta, que já tratou a literatura com outra rugosidade, e o remete ao papel de ilustrador.

Mas essa ilustração, até pelo artifício de cartão pintado que é a sua marca, parece precisamente o jogo que se queria jogar. E é bem jogado, com panache, com actores que no geral devolvem as personagens como se imaginava que elas deviam ser e parecer, e com uma fluidez narrativa perfeitamente capaz de traduzir a dimensão trágica do romance (mesmo que seja menos hábil a dar a ironia com que o romance olhava para a sua tragédia). 

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