Já se pode criticar António Costa?

O Partido Socialista (PS) vive uma grave crise interna. Ao contrário de algumas eleições internas dos partidos socialistas europeus, esta tem a particularidade de ser uma luta a dois, com demasiado protagonismo

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Nuno Ferreira Santos

O Partido Socialista (PS) vive uma grave crise interna. Ao contrário de algumas eleições internas dos partidos socialistas europeus, esta tem a particularidade de ser uma luta a dois, com demasiado protagonismo – desde aos debates, às entrevistas, aos insultos e comentários inflamados nas redes sociais entre militantes e à possibilidade das votações para as primárias realizarem-se, em alguns locais, em escolas e não nas secções do partido -, quase apocalíptica. António Costa (AC), em nome do imperativo de consciência, abriu um precedente complicado. O PS está partido ao meio e em alguns sítios está mesmo de cacos.

 

António José Seguro (AJS) herdou um partido em baixa, um partido levado a julgamento e acusado de ter feito a crise (a tal história da narrativa) e, mais tenebroso do que tudo, um memorando da “troika” que o colocou preso de movimentos políticos. O Tratado Orçamental foi outro presente envenenado, porém, dado o contexto dos socialistas europeus, AJS até se conseguiu aguentar. Por outro lado, AJS tentou sempre equilibrar os ânimos das facções, dando-lhes lugar de decisão (basta ver o número de deputados que é apoiante de Costa e vice-versa). Sempre sob o fogo dos comentadores políticos (a velha história do carisma), conseguiu ganhar as eleições autárquicas e as eleições europeias.

 

António Costa, levantado pela facção adormecida do partido, decidiu avançar para a liderança, depois de assinar um pacto de não agressão com AJS e depois do PS ter ganho as eleições europeias. O argumento é que o partido queria e precisava, maioritariamente, de uma nova liderança. Depois das eleições para as federações, ficámos a saber que o aparelho partidário ficou dividido ao meio e não está com Costa (O AC ganhou 10 federações e AJS ficou com 9, além de que este último teve mais votos).

 

Por outro lado, AC não correspondeu, nos dois debates realizados, às expectativas que a sua campanha política construiu. AC não se consegue soltar das grilhetas do assalto à liderança e do momento pouco oportuno com que o fez, na medida em que, no último Congresso, também incentivado a avançar, fugiu a 7 pés. Porquê? Porque o aparelho socialista estava com AJS.

 

AC tem outro grande problema, ou seja, a colagem a José Sócrates. Costa está dentro e fora da “caixa socrática” e, sempre que se abra a caixa, a curiosidade pode mesmo matar. O “ziguezague” - defender/ criticar a abstenção do OE 2012 - de Costa também não o favoreceu, tal como a ausência de propostas para a carga fiscal e a justificação de que a privação das mesmas depende da Europa (Então como é que se pode ter uma agenda política de uma década? Não é um contrassenso?) Quando se promete mudança, não basta prometer, há que mostrar e fazer parecer.

 

AJS mostrou sempre vontade de apresentar propostas: A garantia de não aumentar impostos, o “contrato de confiança”, a aposta na reindustrialização, um referendo aos militantes para escolher coligação, mudanças na lei eleitoral (aproximação dos eleitores à escolha de deputados) e uma posição forte sobre a intervenção do Estado e a questão da dívida pública. Contrariamente, AC não conseguiu corresponder às probabilidades alimentadas. O único trunfo de Costa nos debates foi o seu conhecimento sobre o poder local, obtendo, sem dúvida, uma vitória sobre Seguro na discussão sobre a reforma administrativa (das freguesias), valendo-lhe o triunfo no 2.º debate.

 

Assim, por tudo o que foi dito, já se pode criticar Costa? 

 

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