Há menos editoras, menos livrarias e vendem-se menos livros em Portugal

Estudo encomendado pela APEL demonstra a queda que o mercado livreiro tem sofrido em Portugal. APEL espera que a mudança se possa fazer.

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Em 2004 existiam 694 livrarias e em 2012 já só se registavam 562 José Sarmento Matos

Estas são as principais conclusões de um estudo encomendado pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) ao ISCTE-IUL, depois de no ano passado várias livrarias independentes terem acusado redes livreiras como a FNAC e a Bertrand de violarem a lei do preço fixo do livro. As conclusões não são propriamente uma novidade mas para o presidente da APEL vêm dar força à necessidade de uma mudança no mercado livreiro, que precisa de ser dinamizado.

Em 2004 existiam 694 livrarias (empresas com actividade principal de comércio a retalho de livros) e o volume de negócios destas era de 140,1 milhões de euros. Em 2012, já só se registavam 562 livrarias com um volume de negócio de 126,2 milhões de euros, de acordo com os números divulgados nesta segunda-feira no estudo Comércio Livreiro em Portugal – Estado da Arte na segunda década do século XXI, levado a cabo pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE com a coordenação de José Soares das Neves. Esta quebra, lê-se no estudo, acentua-se essencialmente a partir de 2008.

Nas editoras, o estudo nota também um decréscimo na actividade e a partir de 2008 “as empresas dissolvidas são por norma mais do que as empresas constituídas”. Ainda no que diz respeito às empresas com actividade principal de edição de livros, lê-se no documento que “o volume de negócios regista depois de 2008 – ano que constitui um pico sem paralelo na edição, com 404 milhões de euros – uma queda contínua que atinge em 2012 um valor (356 milhões de euros) abaixo do patamar registado em 2007 (em torno dos 360 milhões de euros)”.

Com isto, sofre também a oferta de novos títulos em suporte papel, que tende a diminuir até 2012 sem que “seja compensada pela edição de e-books”. No entanto, é de realçar que os “indicadores disponíveis para 2013 mostram alguns sinais de recuperação a nível da oferta”.

José Soares das Neves destaca a forma como este estudo ajudou a identificar os problemas que afectam o sector, entre os quais destaca a “crise aguda gravíssima que afectou o tecido cultural português” e por consequência o mercado livreiro. Mas garante: “O comércio livreiro não está morto”. “Tem de haver agora uma articulação entre a produção de informação [o estudo] e as medidas a tomar. Não se esperam soluções nem imediatas nem fáceis”, diz o investigador, que entrevistou ao longo dos últimos meses vários livreiros para melhor entender a situação portuguesa. “Procurámos dar apontamentos que possam ser úteis para que a reflexão agora seja informada”, continua.

Sem apontar qualquer medida, mas esperando que o estudo indique o caminho futuro a seguir, Rui Beja, que também participou nesta investigação, defende a tomada de uma posição forte "para que o livro se mantenha como elemento essencial". "Em geral, as pessoas que ouvimos sentem uma necessidade de se organizarem, de trabalharem em conjunto, além de sentirem que a própria APEL podia ir mais longe."

João Alvim, presidente da APEL, diz que a associação sozinha "nunca poderá fazer nada". “Este estudo traz a evidência das dificuldades do sector, já não há forma de fugir a esta evidência”, diz Alvim, que encomendou o estudo depois de ano passado vários livreiros se terem manifestado, queixando-se de concorrência desleal por parte de grandes superfícies como a FNAC e a Bertrand. “Vai permitir-nos chegar mais longe, foram detectadas as fragilidades e por isso agora temos de começar a pensar em conjunto como agir”, acrescenta Alvim, que conta entregar em breve estas conclusões ao secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier. “Fica claro que é preciso uma dinamização do mercado, vivemos num mundo em mudança. Apelo agora aos livreiros para que cooperem entre si, tenham ideias e juntem sinergias. A mudança tem de partir de nós.”

Além das livrarias, o estudo analisa ainda a venda de livros em grandes superfícies, concluindo que esta registou em 2009 um pico, com 229 milhões de euros de facturação, verificando-se a partir desse ano uma quebra, com a facturação, em 2012, a situar-se nos 203 milhões de euros. De acordo com os dados, a tendência de diminuição é mais vincada nas grandes superfícies não alimentares como a FNAC, do que nas alimentares (híper e supermercados).

O estudo nota que a generalização de estratégias concorrenciais, como cartões de desconto e promoções, muito usados nestas grandes superfícies, são "susceptíveis de gerar disfuncionalidades no mercado", afectando sobretudo as livrarias independentes, como estas se tinham queixado. João Alvim pede a clarificação da Lei do Preço Fixo: “Existem variadíssimas posturas perante a mesma lei”. “A lei não pode estar dependente de interpretações pessoais, tem de ser igual para todos, é importante então que se aprecie esta situação”, acrescenta o presidente, lamentando ainda a falta de regulação no sector, nomeadamente no que diz respeito à pirataria. “Todos sabemos que se fotocopiam livros inteiros todos os dias e ninguém faz nada. Há livrarias especializadas que estão a fechar por causa disso”, aponta. “É preciso uma mudança.”

E este estudo, que conta ainda com o trabalho de Jorge Alves dos Santos e Jorge Augusto dos Santos, pode ser o pontapé de saída, acredita João Alvim. “A modernização do sector tem ser feita em conjunto, defende o presidente, garantindo que ao estudo seguir-se-ão vários encontros para discutir ideias.

Sobre os resultados, João Alvim não se mostra surpreendido. “Isto baliza-nos a situação e sabemos coisas que não sabíamos antes mas não nos podemos dizer surpreendidos, são evidentes os sinais da quebra no mercado.”

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