Ministério da Justiça diz ter herdado “manta de retalhos tecnológica” cujo funcionamento desconhecia

Auditoria feita entre 2013 e 2014 pela Inspecção-Geral de Finanças alertou para problemas na rede informática dos tribunais.

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Equipamento é "moderno" e foi inaugurado há menos de três anos, salienta autarca Fernando Veludo/nFactos

Muitas das falhas detectadas desde o arranque do novo mapa judiciário na plataforma informática Citius, que faz a gestão dos processos judiciais, já tinham sido referidas numa auditoria da Inspecção-Geral das Finanças efectuada entre 2013 e 2014. O Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos do Ministério da Justiça admitiu aos inspectores, em Fevereiro passado, ter herdado uma “manta de retalhos tecnológica”, da qual pouco ou nada sabia à data da auditoria, mas que veio a melhorar desde aí.

As falhas no sistema informático desde o arranque da reorganização judiciária, iniciada há dez dias, têm paralisado a maioria dos tribunais de primeira instância por todo o país, sem que o Ministério da Justiça consiga apontar uma data concreta para o regresso do Citius ao pleno funcionamento. “Falei com a ministra da Justiça, que me disse que daria mais informações sobre a possível data para isso acontecer nesta sexta-feira”, conta o presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses, Mouraz Lopes, para quem vai ser preciso alterar a lei se a situação se mantiver, de modo a congelar todos os prazos dos actos judiciais, uma vez que continua a ser muito difícil aceder à plataforma electrónica.

A inoperacionalidade do Citius tem gerado inúmeros protestos, com a Ordem dos Advogados a sugerir ao primeiro-ministro que exonere a ministra se apurar que é dela a responsabilidade pelo sucedido e o Sindicato dos Funcionários Judiciais a pedir a demissão dos responsáveis pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, organismo que gere o sistema informático.

O PS apresentou no Parlamento um requerimento para a criação de uma comissão de acompanhamento do problema, que foi, no entanto, rejeitado pela maioria PSD/CDS. "Está criada a maior barafunda nos tribunais por culpa do Governo, com a justiça paralisada e com os prazos legais a decorrerem. A Assembleia da República não pode fechar os olhos e a maioria PSD/ CDS está a assumir um comportamento indevido", declarou o deputado socialista Pita Ameixa, citado pela Lusa.

Noticiada esta quarta-feira pelo jornal i, a auditoria da Inspecção-Geral das Finanças concluiu que o Ministério da Justiça não tinha recursos humanos com um “conhecimento profundo” do sistema, que a plataforma era lenta e que a rede de comunicações era insuficiente –  conclusões tiradas ainda antes de ser necessário fazer a migração electrónica de mais de 3,2 milhões de documentos e de 20 milhões de actos processuais, a 1 de Setembro passado, para fazer entrar em vigor o novo mapa judiciário. “Padecíamos de um profundo desconhecimento da matéria”, admitem os responsáveis daquele instituto, que explica que a demissão, em Fevereiro de 2013, de toda a equipa técnica que coordenava a informática dos tribunais podia ter causado, já na altura, “uma paralisação total dos sistemas de informação que suportam o sistema judiciário”. Em Fevereiro passado os mesmos responsáveis asseguravam estar a preparar “uma infra-estrutura tecnológica robusta e segura”.  Mas afinal o sistema havia de se mostrar pouco fiável, ao ponto de na migração de documentos da reorganização judiciária terem chegado aos tribunais processos já julgados sem que a respectiva sentença constasse deles.

Segundo o Diário de Notícias, em 2012 a ministra recebeu um relatório a alertá-la para as fragilidades do Citius. Mas o ministério diz não ter registo da sua entrada nos serviços.

Oportunidade de negócio
Um escritório de advogados viu no colapso do sistema informático do Ministério da Justiça uma oportunidade de negócio e abriu aos colegas uma plataforma informática através da qual um profissional da advocacia pode pedir a outro que consulte, em papel, um processo seu que se encontra num tribunal da sua região ou entregar peças processuais em mão. O negócio pode, porém, levantar problemas como o da confidencialidade. Mostrando-se apreensiva, a bastonária dos advogados diz que reencaminhou o caso para os órgãos disciplinares da Ordem, para que estes verifiquem se existe alguma infracção neste sistema alternativo ao Citius.  

 

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