"Cinco por cento" dos professores sabem hoje onde vão dar aulas este ano lectivo

MEC garante que listas de colocação de professores serão conhecidas nesta terça-feira, a tempo do arranque do ano lectivo e com o problema dos horários-zero reduzido ao mínimo. O representante de uma das associações de directores diz-se aliviado e louva as boas intenções, mas argumenta que ano não está a arrancar com normalidade.

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Os resultados de hoje dizem respeito a dois concursos Adriano Miranda

O ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, assegurou ao fim da tarde de segunda-feira que os concursos que permitirão colocar os “cerca de cinco por cento” de professores que ainda estão em falta nas escolas serão conhecidos nesta terça. “Um alívio”, reagiu Filinto Lima, da Associação Nacional dos Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP). Diz que são “louváveis os anunciados esforços para reduzir ao mínimo o número de professores sem componente lectiva”, mas apelou a que no próximo ano “haja planeamento estratégico”. “Desta vez foi de mais…”, lamentou.

Há semanas que dura a disputa. De um lado associações e sindicatos de professores e directores escolares queixam-se do atraso na colocação de docentes. Do outro os representantes do Ministério da Educação e Ciência (MEC) asseguram que “tudo está a decorrer com normalidade, como previsto” e que “as aulas poderão iniciar-se, como anunciado, entre os dias 11 e 15 de Setembro”.

Nesta segunda-feira, as múltiplas alusões de ministro e secretários de Estado ao facto de o MEC “estar a tentar reduzir ao mínimo o número de professores com horário-zero” – salvando-os da “requalificação” destinada aos excedentários  – acalmou os ânimos, “mas não apagou “a angústia dos últimos dias”. “O ministério até pode ter boas razões para justificar este atraso – e essa é uma óptima razão – mas o que não pode é dizer que o ano lectivo está a arrancar com normalidade e tranquilidade – não está”, comentou Filinto Lima.

Os directores têm criticado o atraso nas colocações (“por prejudicar o planeamento do ano lectivo”) e o momento e o modo como a administração faz chegar as orientações às escolas, “sempre com prazos curtos para as respostas” e “pedindo dados que já podiam ter sido transmitidos”. Na quinta-feira, por exemplo, pôs representantes regionais a telefonar à noite para directores, dando-lhes duas horas para indicarem, precisamente, os nomes dos professores sem componente lectiva a que ainda era possível atribuir turmas.

Os sindicatos têm-se insurgido contra o tratamento dado aos professores que ainda não sabem onde irão dar aulas. Poucos, na perspectiva do MEC, cujos representantes sublinharam que são apenas 5% do total dos que efectivamente vão dar aulas. Muitos, do ponto de vista dos representantes sindicais dos muitos milhares que anualmente concorrem às vagas existentes e em número ainda desconhecido.

O MEC, e nomeadamente o secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, em declarações prestadas aos jornalistas, contrapôs que está em causa “promover a estabilidade” dos quadros e  “racionalizar” e “rentabilizar os recursos humanos”. “Quando saírem os resultados das colocações [nesta terça-feira] verão que em relação aos 2185 docentes com ausência de componente lectiva no ano passado” a redução é para “menos de metade”, disse o secretário de Estado Casanova de Almeida.

Explicou que o número baixará ainda mais, na sequência da rescisão do contrato por parte dos cerca de 1700 professores que até esta quarta-feira têm de dizer se aceitam ou não a indemnização proposta pelo Governo. Segundo adiantou, estes deixarão lugares vagos nas escolas que serão dados prioritariamente aos que ficarem com horário-zero no concurso desta terça-feira.

Ao fim da tarde desta segunda-feira estavam em falta os resultados de dois concursos. Um destina-se aos professores do quadro que, pelas mais variadas razões, concorrem à mobilidade interna (entre os quais estão os 1954 que entraram nos quadros de zona pedagógica em Agosto). O segundo mobiliza normalmente cerca de 30 mil professores sem vínculo à função pública que disputam uma quantidade de vagas que diminui de ano para ano. Os resultados de um e de outro são normalmente conhecidos no último dia de Agosto – uma regra que foi quebrada no ano passado pelo Ministério da Educação, que atrasou até 12 de Setembro a colocação dos professores a contrato.

Depois daqueles dois concursos começa um terceiro, que este ano se faz através de um novo mecanismo, a bolsa de contratação de escola, e que permite aos mais de 300 estabelecimentos de ensino com autonomia e em território educativo de intervenção prioritária (TEIP) completarem os respectivos corpos de professores.

O peso dos professores em falta varia de escola para escola, dizem os directores. “Aqui faltam 20 professores em 100. Se pensarmos que cada um terá em média quatro ou cinco turmas e que cada turma tem 30 alunos…”, exemplificou Pedro Araújo, director da Secundária de Felgueiras e membro da direcção da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE). Filinto Lima, que dirige o agrupamento de escolas Dr Costa Matos, de Gaia, aguarda a colocação de 16 professores, mas está preocupado, especialmente, com a meia dúzia de docentes que vai ficar com turmas do 1.º ciclo.

Jorge Ascensão, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, tem evitado entrar na polémica. Defende que eventuais problemas na colocação de professores e a contratação de um maior ou menor número de docentes “é um problema de emprego, dos sindicatos e dos directores, e não dos pais”. Os directores, e principalmente Manuel Pereira, que preside à ANDE, contrapõem que os pais e o próprio MEC mostram ter “pouca noção da importância das duas primeiras semanas de Setembro na planificação do ano lectivo”.

“Será difícil de entender que é diferente dar aulas ao 7.º ano ou ao 12.º? Que não é a mesma coisa dar cinco níveis diferentes de ensino ou apenas três? E que é essencial que antes de entrar na sala de aula eu tenha uma noção de quem são os alunos que estão sentados à minha frente?”, pergunta Ana Silveira, de 42 anos. Em 2013 era professora sem vínculo, e este ano já concorre como docente de carreira – faz parte dos 1954 professores que entraram no quadro e que, previsivelmente, farão diminuir o número de professores sem vínculo com emprego.

Nesta segunda-feira, tanto Ana Silveira como o marido – também professor de História, mas à procura de contrato – fizeram parte do imenso grupo de docentes que passou o dia a actualizar a página da Direcção-Geral da Administração Escolar (DGAE) à espera de listas que ninguém sabia quando saíriam. “É dramático: somos de Mangualde, tenho os meus quatro filhos matriculados no Seixal, que foi a zona onde demos aulas durante o ano passado, e não fazemos a mínima ideia sobre qual o local onde teremos de estar instalados na próxima segunda-feira”, explica Ana.

“Faz toda a diferença entrarmos na escola no início de Setembro. Porque é terrível cair numa escola para dar aulas sem sequer desfazermos as malas e também porque é importante prepararmo-nos para recebermos as crianças e conhecer o contexto em que vivem”, concorda Rita Almeida. Conta que dá aulas pelo segundo ano em Cinfães, uma zona “marcada pela emigração e pelo desemprego”, onde as crianças “percorrem estradas sinuosas, com precipícios e neve para chegar às escolas” e onde ninguém – a não ser os professores – as “ensina a sonhar”.

Maria José Salgueiro, que também pertence à Confap, refere-se à experiência de dirigente associativa na escola da filha, Matilde, que vai para o 5.º ano. Considera que “é importante que os professores estejam tranquilos e tenham uma situação estável”. “Agora, mais do que nunca, os alunos precisam deles”, comenta, referindo-se “aos efeitos da crise, em termos económicos e da instabilidade emocional que provoca, nas famílias”.

Também neste caso as situações variam muito. Rita Almeida, que já deu aulas no litoral e em cidades grandes considera que é nestas áreas que as dificuldades das crianças são mais difíceis de detectar. “As pessoas da classe média têm mais dificuldade em pedir ajuda”, diz.

Paulo Ramos, jurista no concelho de Castro Daire, está mais habilitado para falar das dificuldades causadas pela interioridade. A escola do 1.º ciclo em que a sua filha devia entrar, esta semana, foi uma das mais de 300 que o MEC encerrou, no final deste ano lectivo. Da “escola dos grandes” que ficava a 200 metros de sua casa, a filha, Constança de cinco anos, foi transferida para a sede do concelho. O pai acabou por decidir levá-la para o concelho vizinho, Vila Nova de Paiva, onde trabalha. “Fica na mesma a 15-17 quilómetros de casa, mas pelo menos está perto de mim”, explica o jurista.

Esta terça, representantes dos sindicatos e das associações de professores deverão repetir o que não se cansam de dizer: que foi através do encerramento de escolas, da criação de mega-agrupamentos, do aumento do número de alunos por turma e das alterações curriculares que o MEC reduziu o número de professores necessários. Nuno Crato tem enfatizado a importância da quebra da natalidade.

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