O jihadista que nunca o foi

Quando o Estado Islâmico divulgou um novo vídeo de mais uma horrível decapitação [a do jornalista americano Steven Sotloff], igualmente executado por um jihadista de origem ocidental, recebi, como tantas vezes acontece, mensagens a pedirem-me uma explicação.

Sabem, é que eu sou o jihadista que nunca o foi.

Há 20 anos, abandonei um liceu católico no estado de Nova Iorque e fui estudar para uma madrassa no Paquistão financiada pela Arábia Saudita. Sendo eu um recém-convertido, agarrei entusiasticamente a oportunidade de viver numa mesquita e passar o dia todo a estudar o Corão.

Isto foi em meados dos anos 1990, durante a escalada da resistência tchetchena contra a Rússia. Depois das aulas, ligávamos a televisão e assistíamos a imagens de destruição e sofrimento. Os vídeos eram perturbantes. Tão perturbantes, que rapidamente comecei a pensar em abandonar a minha educação religiosa e pegar numa arma para ir lutar pela liberdade tchetchena.

Não foi nenhum verso que eu tivesse lido nos nossos grupos de estudo do Corão que me fez querer ir lutar, mas sim os meus valores americanos. Eu cresci nos anos 80 de Ronald Reagan. Aprendi com os desenhos animados do G.I. Joe (nas palavras do seu tema musical) a “lutar pela liberdade, onde quer que haja problemas”. Assumi que os indivíduos tinham o direito – e o dever – de intervir em qualquer ponto do planeta onde identificassem ameaças à liberdade, justiça e igualdade.

Para mim, querer ir para a Tchetchénia não era explicável pela minha “raiva muçulmana” ou “ódio ao Ocidente”. Isto pode ser difícil de acreditar, mas eu pensava sobre a guerra em termos de compaixão. Tal como tantos americanos são motivados pelo seu amor à pátria para servirem nas Forças Armadas, eu desejava ardentemente combater a opressão e proteger a segurança e a dignidade de outros. Acreditava que este mundo estava em más condições. Coloquei toda a minha fé em soluções um pouco mágicas de que o mundo podia ser consertado através de uma renovação do Islão autêntico e de um verdadeiro sistema islâmico de governo. Mas também acreditava que trabalhar em prol da justiça era mais valioso do que a minha própria vida

Finalmente, acabei por ficar em Islamabad. E as pessoas que acabaram por me convencer a não ir lutar não eram propriamente o tipo de muçulmanos caracterizados nos media como liberais ou reformistas amigos do Ocidente. Eram profundamente conservadores; muitos podiam ser chamados de “intolerantes”. No mesmo ambiente escolar em que me disseram que a minha mãe não-muçulmana iria arder no fogo do inferno, também me foi dito que eu poderia contribuir mais para o bem no mundo como um erudito do que como um soldado, e que eu devia aspirar a ser mais do que um corpo numa vala. Estes tradicionalistas recordaram-me a frase de Maomé que diz que a tinta dos eruditos é mais santa do que o sangue dos mártires.

Os media traçam, muitas vezes, um linha clara entre as nossas categorias imaginadas do “bom” e do “mau” muçulmano. Os meus irmãos no Paquistão teriam tornado esta divisão muito mais complicada do que muitos possam imaginar. Estes homens que eu via como super-heróis piedosos, falando-me com a voz autorizada da tradição, disseram-me que a violência não era o melhor que eu tinha para oferecer.

Alguns miúdos na minha situação parecem ter recebido conselhos diferentes.

É fácil assumir que as pessoas religiosas, particularmente muçulmanos, simplesmente fazem coisas porque as suas religiões lhes dizem para as fazer. Mas quando penso no meu impulso aos 17 anos para ir a correr juntar-me aos combatentes tchetchenos, tenho em consideração mais do que apenas factores religiosos. O meu cenário imaginário de libertar a Tchetchénia e transformá-la num Estado islâmico era uma pura fantasia americana, baseada em ideais e valores americanos. Sempre que há um americano que atravessa o globo para se embrenhar em lutas pela liberdade que não são as suas, eu penso, ‘que coisa tão, mas tão, americana de se fazer’.

E esse é o problema. Nós somos criados para adorar a violência e olhar para as conquistas militares como actos benevolentes. O miúdo americano que quer intervir na guerra civil de outra nação deve a sua visão do mundo tanto ao excepcionalismo americano como às interpretações jihadistas das escrituras. Eu cresci num país que glorifica o sacrifício militar e que se sente no direito de reconstruir outras sociedades segundo os seus parâmetros. Interiorizei estes valores muito antes de pensar sobre a religião. Muito antes de saber o que era um muçulmano, já para não falar de “jihad” ou “Estado islâmico”, a minha vida americana ensinou-me que é isso que os homens corajosos fazem.

Michael Muhammad Knight vive nos EUA e é escritor

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
 

   

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