Os 6000 anos de extinções junto ao rio Nilo revelam um ecossistema cada vez mais frágil

Em poucos milénios, a fauna de mamíferos que povoava a região junto ao Nilo, no Egipto, passou de 37 para oito espécies. Houve cinco momentos de extinção.

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Animais esculpidos no cabo de uma faca egípcia de 1200 a.C. Charles Edwin Wilbour Fund/ Brooklyn Museum

O pontapé de saída desta história de extinções terá sido dado pela zebra-da-planície e pela zebra-de-Grévy. Há cerca de 4000 anos a.C., estes dois herbívoros já estavam extintos na região associada ao rio Nilo na região do Egipto. Seguiram-se o búfalo-africano, o gnu-azul, a sitatunga (uma espécie de antílope que gosta de pântanos), o javali-africano e a hiena-malhada. Ao longo dos seis últimos milénios 29 das 37 espécies de herbívoros e carnívoros mamíferos com mais de quatro quilos que existiam naquela região desapareceram.

Uma equipa olhou para este fenómeno e foi investigar a resistência a novas perturbações daquele ecossistema ao longo dos seis milénios, os resultados mostraram uma comunidade de mamíferos cada vez mais frágil, de acordo com o artigo publicado nesta segunda-feira na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.

“O que foi uma comunidade rica e diversa de mamíferos está agora muito diferente”, disse Justin Yeakel, do Instituto de Santa Fé, Novo México, Estados Unidos. A última fase de extinções terminou no século XIX e levou ao desaparecimento do leopardo, do javali, do hipopótamo, do adax (uma tipo de bovídeo), de uma espécie de órix e de uma espécie de antílope. Os oito mamíferos que restam são o chacal, a raposa-vermelha, a hiena-riscada, o burro, duas espécies diferentes de gazelas, uma espécie de carneiro e a cabra-nubiana.

“À medida que o número de espécies foi diminuindo, uma das primeiras coisas que se foram perdendo foi a redundância ecológica do sistema. Havia várias espécies de gazelas e de outros pequenos herbívoros, que são importantes porque muitos outros predadores os caçam. Quando há um menor número desses pequenos herbívoros, a perda de qualquer uma das espécies tem um efeito muito maior na estabilidade do sistema e pode levar a extinções adicionais”, disse o investigador, num comunicado.

A história de extinções está ligada à antiga civilização egípcia. Conhece-se a presença e, depois, a ausência daqueles animais naquela região de África graças aos vestígios arqueológicos que ali foram encontrados. “[O biólogo] Dale Osborne compilou uma base de dados incrível de quando as espécies eram representadas artisticamente nas peças e como essa representação mudou ao longo do tempo. O seu trabalho tornou possível usar modelos ecológicos para analisar as ramificações dessas mudanças”, explicou Justin Yeakel.

Por outro lado, a história do clima daquela região pode ser associada tanto a fenómenos de extinção dos mamíferos como a mudanças nas civilizações. Entre os 12.800 e os 3500 anos a.C., o Norte de África vivia uma época de monções e era mais frio e húmido. Mas esse regime mudou e o clima foi ficando progressivamente mais quente e seco.

A equipa associou três momentos em que o clima ficou mais árido — por volta de 3000 a.C., de 2100 a.C. e de 1000 a.C. — à perda de biodiversidade. Estes períodos também estão ligados a conturbações nas culturas humanas. O primeiro viu o fim do reino Uruk, na península Arábica, mas poderá estar associado ao início da civilização egípcia. Durante o segundo, o rio Nilo não teve a sua enchente sazonal por diversas vezes e deu-se o fim do Império Antigo da civilização egípcia. O terceiro momento está associado com anos de fome tanto no Egipto como na Síria, e com o fim do Império Novo.

Ainda houve mais duas datas de extinção de espécies, uma por volta de 2500 anos a.C. e a última no século XIX, associada a um aumento de população. Apesar de os autores não conseguirem identificar nenhuma causa específica para o desaparecimento de cada espécie, sugerem três mudanças importantes que podem ajudar a explicar as extinções: a caça continuada feita pelas populações que passaram a ser sedentárias, a diminuição de pasto devido a um clima mais seco e a competição pelo habitat com os humanos.

O resultado final terá tido impacto no ecossistema: menos pasto para os herbívoros e menos herbívoros para os carnívoros. Nove das 38 espécies iniciais eram carnívoras, entre as quais estavam o leão e o mabeco. Usando modelos que não só relacionaram a interacção entre predadores e presas mas também tiveram em conta o peso destes animais, a equipa mostrou que o ecossistema, à medida que ia perdendo as suas espécies, se tornou mais vulnerável.

“As comunidades estáveis voltam aos seus estados iniciais” depois de uma pequena perturbação no ecossistema, disse o cientista ao PÚBLICO, acrescentando que “as comunidades instáveis se desviam para outro estado”. Ou seja, alteram-se.

Segundo o investigador, há vários ecossistemas actuais em que se observa uma mudança drástica do seu funcionamento depois do desaparecimento de uma única espécie. Este fenómeno poderá ser moderno. “Os humanos fazem parte do ecossistema, dependemos de um diverso grupo de recursos que obtemos do ecossistema”, defendeu o cientista. “As extinções mudam estes sistemas às vezes de uma forma imprevisível. É do nosso interesse conservar o máximo de biodiversidade para prevenir mudanças inesperadas.”      

 

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