Os super mercados

Nos dias de hoje já é vulgar encontrar “clínicas” em supermercados. E para quem tem cartão de compras, ainda melhor

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Francois Lenoir/Reuters

A propósito de uma notícia recentemente publicada, constata-se que nos dias de hoje já é vulgar encontrar “clínicas” em supermercados. E para quem tem cartão de compras, ainda melhor. "Slogans" como, por exemplo, “oferta da 1.ª mensalidade” ou “desconto de 50%” ao apresentar o seu cartão de compras, são mensagens de boas-vindas.

Basta entrar e escolher. O lema é a “acessibilidade a custo reduzido”. Pode fazer quase tudo e vai poupar. Desde um “check-up diabetes” por 49 euros ou uma “consulta de cardiologia” por 45 euros, poupa imenso com o seu cartão de compras, com sorte até 50%. Até mesmo na subscrição de um plano de saúde, mais uma vez com o seu cartão de compras, poupa a primeira mensalidade, cerca de 7 euros.

Subscreveu o plano? Então está despachado e com 7 euros que adquiriu com o seu cartão de compras.

Já está despachado da “clínica”, mas não vá já embora. Tem os 7 euros e já está no hipermercado, se voltar mais tarde gasta mais em transportes e em tempo … gaste-o já.

Fez um bom negócio, celebre. A secção de bebidas está logo à entrada, aproveite que o vinho verde está com promoção exclusiva. Leve duas garrafas, nem chega aos 4 euros… Prefere tinto? Também está em promoção… e também pode levar sem pagar nem mais um cêntimo, graças à “consulta” ou ao “plano de saúde” que subscreveu há poucos minutos.

Dependendo do "shopping" em que está, pode ter a sorte de acompanhar as compras com uns cigarrinhos. Ainda não gastou tudo. O tabaco está barato e dá desconto em cartão também.

E agora que está prestes a “pagar”, porque não qualquer coisinha para as dores de cabeça? Não se lembrou disso antes mas lembrou-se agora. Porque viu. A caixa está mesmo atrás do empregado, na vitrine. Peça-lhe para lhe fazer chegar aquela caixinha que diz “paracetamol”. Não é essa que ele entregou, enganou-se, essa é a da pílula do dia seguinte (para outras “dores de cabeça”?!). É a que está ao lado. Feito.

Uma “consulta” ou um “plano de saúde” deu para isto tudo mesmo ali ao lado. Deve sentir-se bem com aquilo que a cadeia de supermercados lhe proporcionou em poucos momentos. Agora relaxe, beba um copo, fume um cigarro, celebre a acessibilidade, o mercado livre. O dia se calhar até foi difícil e o que ia mesmo bem era acabar com essa dor de cabeça, felizmente viu-o na vitrine e o saldo da “consulta” ou do “plano de saúde” ainda deu para trazer a caixinha que vai tomar já… Tudo isto parece ficção, mas em Portugal pode ser assim. Sob a capa da acessibilidade, das longas filas de espera e dos custos mais reduzidos, proliferam grandes negócios em detrimento de condições para a prevenção e diagnóstico e, do ponto de vista ético, desprovidos de limites.

Nos EUA, onde os modelos de algazarra entre saúde e comércio ganharam expressão, já há estados a limitar, e mesmo grupos económicos a optar voluntariamente, pelo fim da comercialização de tabaco em locais de venda de medicamentos e de prestação de cuidados de saúde por se tratar de um conflito de interesses eticamente reprovável. Cá, a mesma instituição que promove “consultas” e “planos de saúde” e disponibiliza “cuidados de saúde primários” disponibiliza, na mesma superfície comercial, produtos indutores de cancro, como bebidas alcoólicas e tabaco. Nós cá devemos achar que os outros são conservadores da era jurássica, pois claro.

E os suecos, sobre a caixinha que estava à vista para as dores de cabeça? Noticiaram eles há poucos dias que só no ano 2013 tiveram mais de 4400 casos de intoxicação por paracetamol, dos quais 1161 resultaram em hospitalização. Cerca do dobro do período de comparação (antes de estar disponível nas vitrines do supermercado). Estes estão a optar por colocar o medicamento disponível apenas no circuito controlado — nas farmácias. Outros que tal, povo pré-histórico… Em pleno século XXI, quem diria…

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