Escoceses e europeus

O que acontecerá se a Escócia votar, no próximo dia 18, pela sua independência?

A Polónia tem hoje um primeiro-ministro que será presidente do Conselho da União Europeia. Onde estava a Polónia há cem anos? Pois é, não estava. Uma visitante do século XIX não esperaria encontrar não só uma República Checa, mas também uma Eslováquia, entre o conjunto dos estados soberanos. Um visitante do século XVIII ficaria surpreendido por a Baviera não ser, hoje, um país independente.

E o que acontecerá se a Escócia votar, no próximo dia 18, pela sua independência? A hipótese já não é remota, se é que alguma vez o foi, mas uma sondagem que dá vitória ao "sim" obriga a União Europeia a encarar a quase inevitabilidade de que a sua composição interna um dia mude. E ela não está preparada para isso.

O que a União Europeia é, hoje, ainda está relativamente claro: uma organização de tratado, formada por estados. Em princípio, ela é o que os seus estados quiserem, determinando-se que a posição de um estado é a do seu governo. E a organização só inclui mais estados se todos os outros quiserem.

A possibilidade de a Escócia querer ser independente mas os seus cidadãos quererem continuar na União Europeia vai pôr tudo isto em tensão. Não só porque um qualquer estado (por exemplo, a Espanha) pode querer bloquear ou dificultar a reentrada da Escócia  na União, como porque o método de aferição que os escoceses nos propõem para o futuro passa pelo que os cidadãos, e não os governos, decidem.

Um compromisso terá de ser encontrado, mas esse compromisso tornará a União algo muito diferente: de uma mera organização de tratado com estados fixos, para uma entidade política capaz de integrar a sua própria evolução interna. É um feito difícil, mas ao ser logrado daria à Europa uma garantia de autodeterminação em paz. Por isso será seguido com atenção pelos independentistas do costume, mas deveria sê-lo com responsabilidade por todos os outros europeus, em particular pelos governantes.

É que entretanto não é só o referendo escocês que pode hoje mudar o mapa da Europa. No outro extremo da Europa, temos Putin ordenando a invasão da Ucrânia à boa velha maneira dos séculos passados, seja através de irredentismos impostos à canhonada, seja com referendos em que a ponta da baioneta se antecipa à ponta da caneta. Os governos europeus devem demonstrar entender as diferenças, e escolher ser coerentes no respeito pela democracia.

Se a Escócia optar pela independência, espero que todos os governos europeus — incluindo a Espanha — garantam que respeitarão esse resultado e as negociações que dele resultarão entre a Escócia e o Reino Unido. E que, se for essa a vontade dos escoceses, farão tudo para que estes se mantenham cidadãos europeus sem interrupções, entrando a Escócia na União logo a seguir à sua independência, fechando-se todos os capítulos de uma futura adesão ainda durante a fase de transição que se seguiria a um "sim" no referendo.

Até ao referendo, é sábio o silêncio, para não influenciar o voto. Mas se o voto der "sim", seria crucial que a reação dos governos pendesse mais para o respeito do que os escoceses decidirem do que para as conveniências de governos terceiros. Se, para todos os efeitos, os escoceses quiserem continuar a ser cidadãos da União, isso não lhes deve ser negado nem dificultado.

Historiador

Sugerir correcção
Comentar