Londres em choque com a perspectiva cada vez mais real de perder a Escócia

Mercados financeiros reagiram com pânico a sondagem que admite vitória do "sim" à independência. Partidos britânicos aceleram plano para reforçar poderes de Edimburgo.

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Chá e cupcakes na campanha do "sim" Reuters

Os sinais acumularam-se nas últimas semanas, mas a sondagem publicada pelo jornal Sunday Times deixou Londres em estado de choque. “Dez dias para salvar a União”, resumiu o The Telegraph, numa altura em que os três principais partidos britânicos procuravam entender-se sobre o que oferecer para que os escoceses recusem a independência e o mundo da finança reagia em pânico a um cenário que se torna mais plausível a cada dia que passa.

Em público, os rostos mantêm-se tensos, as palavras contidas. “Não há mudanças de planos. O Governo está inteiramente concentrado em provar os argumentos para mantermos o Reino Unido intacto”, reagiu um porta-voz do primeiro-ministro britânico, David Cameron, insistindo que não está a ser preparado um plano de contingência para o caso de o “sim” à independência vencer o referendo de dia 18.

Longe dos microfones, admite-se que há um antes e um depois da sondagem do YouGov, a primeira a admitir a vitória dos independentistas, mesmo que a vantagem do “sim” (51% para 49%) esteja dentro da margem de erro, e que uma outra divulgada no mesmo dia tenha mantido o “não” com ligeira vantagem. “Estou nervoso, mais do que em pânico. E penso que falo por toda a gente”, disse ao jornal Guardian um membro do Governo envolvido na campanha.

O primeiro a reconhecê-lo foi George Osborne, ministro das Finanças e “número” dois do Governo, que ainda no domingo foi à BBC prometer que, até ao final da semana, conservadores, trabalhistas e liberais-democratas – partidos unidos na defesa do “não” – vão entender-se sobre um plano para dar “mais poderes” ao Parlamento de Edimburgo. O primeiro-ministro escocês, Alex Salmond, tinha a resposta pronta: “Eu não tinha dúvidas que eles iriam arranjar alguma coisa depois de a tentativa para assustar os escoceses ter falhado. O próximo passo é tentar subornar-nos”.

A sensação de que o pânico e a confusão se instalaram em Londres cresceu quando o líder da campanha pelo "não", Alistair Darling, explicou que o que será anunciado é o calendário para o reforço da autonomia escocesa, uma vez que as propostas (nem sempre coincidentes) dos três partidos para a transferência de poderes já são conhecidas.

Gordon Brown, ex-primeiro-ministro trabalhista e peso-pesado da política escocesa, foi chamado a liderar esta última ofensiva para convencer os eleitores de que votar contra a independência não é optar por manter tudo como está. Nesta segunda-feira, assegurou que, logo no dia seguinte a uma vitória do “não”, será posto em marcha o plano para dar a Edimburgo mais poderes sobre a política fiscal e de apoios sociais, mas não é claro se a proposta tem o aval de todos os partidos.  

O Labour sabe que sem os deputados que elege na Escócia terá grande dificuldade em regressar ao poder, mas vê-se na incómoda posição de estar na campanha ao lado dos conservadores, repudiados pelos escoceses desde Margaret Thatcher. Cameron jogou a sua sobrevivência quando aceitou a organização do referendo, mas tem as mãos atadas porque as suas políticas de austeridade são o principal combustível para a campanha dos independentistas – o argumento de que só a independência salvará o serviço nacional de saúde foi o que mais alimentou a subida do “sim” nas últimas semanas, por muito que Westminster insista que Edimburgo tem total poder de decisão sobre a forma como ele é gerido.

Riscos de uma cisão

Com o “impensável” transformado em “provável”, a City entrou em pânico. A libra perdeu 1,3% do seu valor face ao dólar, para o mínimo dos últimos dez meses, e só as cinco empresas cotadas na bolsa londrina com maior peso na economia escocesa perderam durante a manhã o equivalente a 3700 milhões de euros.

Perdas que são só uma amostra do que tanto Londres como Edimburgo arriscam neste referendo. O prémio Nobel da Economia, Paul Krugman, deu novas munições à campanha do “não”, num artigo para o New York Times em que defendeu que os eleitores deviam “ter muito medo” de votar a favor da independência e manter a libra, como defende Salmond. “A combinação de independência política e uma moeda partilhada é a receita para o desastre”, diz o economista, apontando o exemplo da crise do euro.

Mas a sondagem do YouGov mostra que os eleitores estão mais sensíveis do que nunca aos argumentos económicos do "sim" - 51% do inquiridos acreditam que Londres faz bluff quando diz que não partilhará a libra com os escoceses e são já 40% os concordam que uma Escócia independentes será mais próspera.

A campanha pelo “sim” tem evitado o triunfalismo – “não estamos a dar nada por garantido”, disse a vice-primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon – e o “não” acredita que muitos eleitores recuarão face  à possibilidade real de uma cisão com Londres. Certo é que, como escreveu o editorialista Martin Kettle no Guardian, “nada mais interessa agora na política britânica” e os próximos dez dias “podem abalar o Estado britânico e o seu povo até às suas fundações”.
 

   

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