“É no século XX que uma maior informalidade à mesa vai triunfando”

Isabel Drumond Braga, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, é especialista em história da alimentação. Historiadora, é autora de obras como Do Primeiro Almoço à Ceia. Estudos de História da Alimentação, de Os Menus em Portugal. Para uma História das Artes de servir à Mesa ou de Portugal à Mesa. Alimentação, Etiqueta e Sociabilidade (1800-1850).

De quando datam os pratos regionais e nacionais?

Antes de termos pratos começamos por ter informações sobre produtos que são interessantes do ponto de vista regional (por exemplo, presunto de Lamego), isto a partir do século XVII. Depois é que se caminha para aquilo que são os pratos regionais, e isso é uma realidade que só podemos documentar no século XIX/XX.

Os pratos regionais ligam-se a produtos que são originários de uma determinada zona e ao saber específico daquela localidade. Muitas vezes aqueles pratos regionais são criados num meio pobre e depois vão mudando um pouco de estatuto, assumindo interesse até ao nível do turismo que se desenvolve sobretudo na primeira metade do século XX.

Como nasce a ideia de sociabilização e etiqueta à mesa?

Na Antiguidade Clássica já há algumas preocupações em dar normas às pessoas para elas se comportarem – etiqueta e sociabilidade são duas realidades profundamente ligadas porque não se consegue sociabilizar se as pessoas não tiverem maneiras. São propostas para tornar a convivência à mesa agradável.

Na Idade Média estão também documentadas algumas normas, nomeadamente no âmbito conventual e monástico. Na primeira metade do século XVI aparece A Civilidade Pueril de Erasmo sobre, uma obra de um humanista sobre etiqueta que marca um ponto de viragem: pela primeira vez na época moderna e na sociedade ocidental há uma preocupação escrita de codificar um conjunto de normas que não tem a ver só com alimentação, mas com o estar à mesa, o vestir-se, receber as pessoas, com a sociabilidade do ponto de vista alargado. Até ao século XVIII o tratado de Erasmo continuará a influenciar.

Qual é o princípio base da etiqueta?

É tornar o convívio agradável: se nos comportarmos bem somos mais agradáveis e os outros apreciam mais a nossa companhia. Criar normas de comportamento significa uma maneira de racionalizar as relações entre as pessoas, sobretudo na primeira fase.

A formalidade à mesa existe dentro da família?

Sim, embora haja graus de formalidade. A formalidade dentro da família será sempre menor do que quando há elementos de fora. Quanto mais elevado é o grupo social, mais formal é todo o comportamento à mesa – mesmo porque a ideia de à vontade não é muito cara às classes sociais mais altas; na época moderna a formalidade faz parte de comportamentos das classes mais altas. As coisas vão-se tornando menos formais à mesa medida que vamos avançando. É no século XX que uma maior informalidade à mesa vai triunfando. Mas isso vai depender até das famílias porque os parâmetros serão diferentes mesmo dentro do mesmo grupo social.    

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