Instituto que gere rede informática da Justiça culpa tribunais pela falha

Erros acumulados ao longo de anos na inserção de dados dos processos bloquearam sistema, diz dirigente. Funcionários rejeitam responsabilidades.

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Dimensão do problema surpreendeu técnicos Fernando Veludo/nFactos

Um número elevado de processos judiciais com informação errada ou incompleta, devido a erros na inserção de dados ao longo dos anos – é esta a razão para as falhas recentes no sistema informático da Justiça, de acordo com o presidente do Instituto de Gestão Financeira e de Equipamentos da Justiça, Rui Pereira. “Não foi um problema técnico. Foi um problema de qualidade dos dados. Há dados registados de forma incompleta e registos mal preenchidos”, aponta.

De acordo com Rui Pereira, foram vários os casos problemáticos encontrados na migração informática dos processos, necessária ao abrigo da reorganização dos tribunais. Entre eles, estavam o de pessoas que tinham mais do que uma morada associada, algo que acontecia quando um réu ou testemunha mudava de endereço, e o novo era inserido no sistema sem que se apagasse o anterior. Noutros casos, o número de testemunhas ouvidas num processo era superior ao registado. Noutras situações ainda, exemplifica, havia processos aos quais estavam associados arguidos ou réus de outros casos.

Tanto o Sindicato dos Funcionários Judiciais como o dos Oficiais de Justiça negam que esta possa ser a causa das falhas que paralisaram os tribunais nos últimos dias.“Isso é sacudir a água do capote”, afirma Fernando Jorge, representante dos funcionários judiciais. “Podia haver um ou outro caso. Mas, mesmo que fosse verdade, deviam ter analisado essa situação com antecedência”, sublinha. O dirigente sindical pede a cabeça dos responsáveis do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça: “Deviam ter vergonha e demitir-se. São incompetentes, mentirosos e enganaram a ministra da Justiça que, na segunda-feira, foi à televisão dizer que estava tudo bem”.

O presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça, Carlos Almeida, também reage mal às explicações de Rui Pereira: “É inteiramente falso. Seria estranho que de um momento para o outro surgissem erros. Os problemas são exclusivamente da responsabilidade de quem está a desenvolver o sistema”. Para este sindicalista, a ministra Paula Teixeira da Cruz “não poderá fugir a apresentar uma demissão”.

Rui Pereira, por seu lado, refere que já eram esperados problemas, mas numa percentagem muito inferior. “Numa operação desta dimensão, há sempre uma percentagem de erro, que estava calculada em 1% ou 2%. Depois, seriam feitos ajustes à mão”. Sem conseguir detalhar a percentagem de casos problemáticos, o responsável admite que o elevado número de problemas acabou por ser uma surpresa. Só no Tribunal de Portimão, diz, tiveram de ser corrigidos cerca de 600 mil actos processuais.

O mesmo dirigente nota ainda que o sistema informático não foi desenvolvido por informáticos profissionais e tem lacunas.

Sistema feito de “remendos”
“É uma aplicação feita de remendos, que foi sendo construída ao longo dos anos. Começou por ser feita por oficiais de justiça que eram curiosos da informática. Eram pessoas que, de uma forma abnegada, foram arranjando ferramentas para facilitar o trabalho dos tribunais”. Para ajudar no processo de migração, foram contratados técnicos das empresas de informática Novabase e Critical Software. Entre ajustes directos e concursos públicos, as duas empresas receberam este ano do Ministério da Justiça mais de meio milhão de euros.

Na quarta-feira, terceiro dia depois da entrada em vigor da reforma dos tribunais, o sistema informático continuava inacessível nalgumas comarcas e para alguns profissionais. “Houve funcionários que ficaram alarmados quando perceberam que nem todos os processos que lhes iam chegando estavam completos”, descreve Fernando Jorge. “Há detalhes que parecem ter-se perdido pelo caminho e processos que apareceram no sistema como pendentes quando afinal até já tinham sentença”.

Como a gravação dos julgamentos se faz através do sistema, em vários tribunais onde não se conseguia aceder ao Citius – palavra latina usada para baptizar o sistema e que significa celeridade – foi necessário pedir gravadores e cassetes. No Tribunal de Penafiel, um juiz teve de ouvir uma testemunha num processo sem que a audição ficasse gravada. Sem o Citius operacional, o módulo de gravação na dependência daquele sistema também não funciona e, por isso, não foi possível registar em áudio o testemunho de um engenheiro no processo relativo a um acidente de trabalho.

“Não é verdade que o sistema esteja em pleno funcionamento”, como diz o Ministério da Justiça, observava o presidente do Sindicato de Magistrados do Ministério Público, Rui Cardoso, para quem a tutela “tem o especial dever de explicar o que se passa e quando é que o sistema vai ficar finalmente operacional”. Mas o colapso informático não é o único problema, avisa: “No Palácio da Justiça de Setúbal as obras estão a decorrer enquanto os funcionários estão a trabalhar. Existe pó por todo o lado. Estão a ser demolidas paredes e enquanto isso acontecia caíram placas do tecto. Felizmente ninguém se magoou, mas não estão asseguradas as condições de segurança”. Por isso mesmo, o coordenador do Ministério Público mandou os magistrados para casa.

Também a Ordem dos Advogados acusa Paula Teixeira da Cruz de ter faltado à verdade. A bastonária Elina Fraga entende que a governante tem de assumir responsabilidades pelo sucedido. “Devia aceitar um frente-a-frente televisivo para prestar esclarecimentos”, desafia.

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