O espírito da Revolução Cultural é um fantasma na China

Os fantasmas da História não adormecem com o boom económico chinês. Nem devem, diz Wang Xiaoshuai, realizador de Red Amnesia.

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Trailer de Red Amnesia

Ainda frescas as palavras de Wang Bing, cineasta chinês, no documentário sobre a Nova Vaga de Taiwan, Flowers of Taipei, sobre esse momento em que a memória individual foi anulada pela narrativa colectiva – a Revolução Cultural chinesa – e chega Red Amnesia (concurso).

Realiza Wang Xiaoshuai, que foi um dos nomes da chamada 6 Geração do cinema chinês, aquela que, perante o trauma que a geração anterior (Chen Kaige, Zhang Yimou…) evidenciava, imobilizada perante a História e o que o passado lhe fizera, se pôs a questionar o presente. Xiaoshuai teria o seu momento de coroação internacional em 2001, com Beijing Bicycle, Grande Prémio no Festival de Berlim.

A História não passou, dizia hoje Wang Xiaoshuai, e embora a China possa dar a parecer que está num ponto alto do seu desenvolvimento económico e tecnológico, há fantasmas que não querem adormecer. Wang dirá: que não podem adormecer se “a China quiser ser um país mais razoável”.

O cineasta começa por contar a sua história perto dos gestos e dos aparentes nadas de uma família: uma septuagenária (Lu Zhong) está na fase da vida em que quanto mais quer ajudar os dois filhos mais os embaraça, até porque a mãe se mostrar incapaz de viver sozinha, porque já ouve vozes ao telefone e vê espíritos. Como um “filme de género”, a mexer no fantástico, distorcendo a realidade e a “problemática” da solidão da terceira idade.

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Lu Zhong é uma septuagenária que denunciou para seu proveito e sobrevivência

Mas é então que o fantasma se mostra real: há um segredo nesta septuagenária, ela denunciou, para seu proveito e para sua sobrevivência, durante a Revolução Cultural. A figura – jovem – que a assombra é a última geração de uma família que ficou destruída e que agora reclama a carícia da vingança.

O filme trata de forma ambivalente essa figura, já que ela é simultaneamente desencadeadora da desordem como amparo para a solidão da velha senhora - é a sua síntese que Xiaoshuai defende ser a relação dos chineses com esse passado.

Sem nunca deixar de continuar a ser uma “história de fantasmas”, Red Amnesia tem dentro um fresco, um filme de geração: a dos pais de Wang Xiaoshuai, que deu tudo ao Estado e à comunidade e que agora, quando outros valores foram levantados, ficou perdida na sua culpa.

Pode ser um filme ou uma interpretação (Lu Zhong) certos para o momento do palmarés, no sábado.

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