Brincar aos deuses em Veneza com Al Pacino

Al Pacino esteve no Festival de Cinema de Veneza para apresentar dois filmes, Manglehorn e The Humbling, e deu duas conferências de imprensa este sábado. Todos correram para ouvi-lo falar

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O realizador David Gordon Green (à direita) e o realizador Barry Levinson apertam as mãos com Al Pacino no meio AFP PHOTO / TIZIANA FABI
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Manglehorn
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The Humbling
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The Humbling
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The Humbling
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Al Pacino em Veneza durante a apresentação do filme Manglehorn AFP PHOTO / TIZIANA FABI

Se a presença de Al Pacino no Festival de Veneza – a dobrar, Manglehorn, de David Gordon Green, em competição, The Humbling, de Barry Levinson, fora de concurso – já deu para lembrar aforismos de Federico Fellini - “o cinema é o modo mais directo de entrar em competição com Deus”-, é porque o actor é visto num lugar próximo da divindade. Em versão rock star, óculos espelhados, cabelo e t-shirt a espetarem para vários sítios.

Todos a correr para ouvi-lo falar - coisa fora do vulgar: duas conferências de imprensa este sábado, intervaladas no espaço de uma hora. Embora o próprio se tenha lembrado a meio de uma delas, quando interrompeu o seu fluxo de consciência, que provavelmente não estaria a responder a qualquer pergunta. Mas falou. Foram generosos monólogos interiores, porque reconfortaram quem estava à espera da voz, sobre cães e gatos, sobre o Actor’s Studio, que lhe deu vida e lhe deu os sapatos que ele não tinha, sobre os actores de teatro, a sua memória e a exaustão de repetirem muitas vezes a mesma personagem, sobre Hollywood que ele nunca soube o que era, embora no passado, hoje já não, tenha sido uma comunidade de ideias artísticas, e, enfim, sobre a depressão – se alguma vez passou por esse estado Al, 74 anos, não sabe, porque não sabe o que a depressão é.





A depressão veio à baila por causa das personagens que interpreta nos dois filmes: um traço comum ao actor de The Humbling e ao serralheiro de Manglehorn é o facto, embora os níveis de neurose e de alucinação de cada um não sejam comparáveis, de atravessarem um momento das suas vidas em que o passado não lhes permite acreditar, em que fazem contas às oportunidades perdidas.

The Humbling adapta uma obra de Philip Roth mas tem na memória um momento icónico da alucinação do actor no momento do envelhecimento que é The Dresser, peça de Ronald Harwood que em 1983 foi adaptada ao cinema por Peter Yates, com Albret Finney e Tom Courtnay; o outro resultou de um encontro casual entre David Gordon Green e Pacino, que fez o fã, o realizador, reparar que os gestos do actor eram os mesmos de Panic in Needle Park e O Espantalho (Jerry Schatzberg, 1971, 1973), e quis escrever um veículo para isso.

Há outra coisa em comum: de alguma forma as duas personagens deixaram partir das suas vidas a crença no divino e nesse lugar colocaram-se a elas próprias, reinando sobre os outros e criando o seu mundo. São figuras exauridas, assaltadas pelo medo existencial, as que encontramos agora. Mas são figuras que no passado criaram uma terra de ninguém à sua volta que os protegeu e afastou do mundo.

É esse também o efeito-Pacino nestes filmes: como se à volta houvesse terra queimada a proteger o actor de qualquer interferência ou comunicação, são "filmes de ninguém", submissos - com Manglehorn, por exemplo, David Gordon Green está já no sítio dos filmes das tardes de domingo.

                               

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