Temperaturas na Madeira tornam pouco provável que dengue se fixe na ilha

Estudo concluiu que a redução da temperatura no Outono contribuiu para a queda da transmissão de casos no surto de 2012 da Madeira.

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Esta doença propaga-se através de vários mosquitos do género Aedese James Gathany/ REUTERS

Apesar do surto de dengue de 2012 que acendeu o debate sobre as doenças tropicais na Madeira, a ilha parece ter ciclos climáticos que ajudam a que o mosquito não sobreviva, interrompendo a transmissão da infecção pelo vírus. As conclusões fazem parte de um trabalho do Reino Unido agora publicado, que contou com um investigador português do Imperial College London e da Universidade de Oxford.

A investigação, que foi publicada neste mês na revista sobre doenças tropicais Plos Neglected Tropical Diseases e que contou ainda com um investigador da Universidade de Exeter, teve como base os dados recolhidos pela Direcção-Geral da Saúde e pelas autoridades europeias durante o surto que ocorreu no arquipélago em 2012, altura em que mais de 2000 pessoas terão sido infectadas pelas picadas do Aedes aegyptie, um dos mosquitos que pode transmitir a doença. Mais de 80 casos foram exportados para outros países.

Pensa-se que o mosquito terá sido introduzido na ilha em 2004, mas de acordo com um modelo utilizado no estudo, os autores defendem que o vector terá entrado na ilha apenas um mês antes de terem sido confirmados oficialmente os primeiros casos, durante um período de forte afluência de voos.

"A epidemia de dengue de 2012 na Madeira foi o primeiro surto europeu a mostrar uma significativa e prolongada transmissão autóctone. Com o Aedes aegyptie firmemente estabelecido na ilha e com os padrões de viagem a ligarem a Madeira a outros países africanos e sul-americanos onde a dengue é agora endémica ou epidémica, podia ser discutido se a introdução e transmissão sustentada seria apenas uma questão de tempo”, lê-se no trabalho que considera ser de “particular importância” a data em que o vírus chegou à ilha, já que é feita uma associação com as condições ecológicas que prevaleciam naquela altura.

Sintomas dificultam diagnóstico
Apesar de os primeiros casos só terem sido reportados oficialmente em Outubro de 2012, os autores garantem que o vírus terá sido introduzido na ilha ainda em Agosto daquele ano, explicando que o facto de a doença ser muitas vezes assintomática ou confundida com outras patologias terá contribuído para este intervalo de tempo. Esta doença propaga-se através de vários mosquitos do género Aedese e provoca sintomas semelhantes a constipações e gripes, podendo tornar-se hemorrágica e mortal. Precisamente por existir a possibilidade de hemorragia, está contra-indicado o uso de medicamentos como a aspirina (ácido acetilsalicílico) e de anti-inflamatórios não esteróides como o ibuprofeno.

O pico oficial da epidemia aconteceu em Novembro, mas os autores do estudo agora conhecido consideram que na realidade deverá ter ocorrido ainda em Agosto – devendo-se esta diferença à subnotificação. Para perceber a influência do clima na epidemia, os autores estudaram as temperaturas e as chuvas durante o período em causa, assegurando que não houve precipitação suficiente para ter um papel substancial no surto.

Por outro lado, dizem que a redução da temperatura no Outono contribuiu para a queda da transmissão de casos, já que tem uma influência directa no período de incubação e na capacidade de o vírus se reproduzir. De acordo com o modelo, “as temperaturas no Outono não só causaram uma redução no número de mosquitos adultos” como reduziram o período de incubação em que é mais provável a doença ser transmitida pelos mosquitos. “Isto reduziu efectivamente a capacidade vectorial e parou a propagação viral, causando um decréscimo significativo nos casos de dengue”, sublinham, o que permitiu que o surto acabasse em Dezembro.

No trabalho, foram também feitas previsões da transmissão do vírus noutras alturas do ano e tendo em consideração as condições meteorológicas médias no arquipélago entre 2001 e 2011. Com este exercício os autores confirmaram a ideia de que as temperaturas não tropicais da Madeira ajudam a travar a propagação da dengue, que terá tido maior expressão em 2012 por ter sido um Verão um pouco mais quente do que o habitual.

Ainda assim, tendo em consideração que as condições meteorológicas mais ideais, entre Maio e Agosto, coincidem com o pico de turismo, os autores alertam para a facilidade com que eventuais surtos da dengue na Madeira podem espalhar-se para outros países europeus, em especial para os que têm condições ideais para o mosquito, como Itália ou o sul de França. Por isso, alertam que é “crucial” haver uma “detecção dos casos importados para o planeamento de saúde pública da Madeira”.

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