Metam a colher

Os portugueses não gostam de denunciar o que quer que seja, têm pudor, contudo quando o que está em causa são os direitos da criança é melhor meter a colher

Foto
Reuters

Nos últimos dias têm sido noticiados diversos casos de maus tratos graves a crianças em diferentes zonas do país. Casos que me arrepiam, revoltam e questionam sobre quais as razões para tão grande irracionalidade e falta de amor por parte de quem é chamado pai ou mãe. Considero que não há razão que justifique tais actos horrendos e desumanos, por muito que se fale em problemas mentais, em depressões, em falta de dinheiro, em falta de condições. Não há razão, ponto.

Todas as crianças têm o direito a serem cuidadas e felizes, como preconiza a Declaração Universal dos Direitos das Crianças nos seus 10 princípios, datada de 20 de Novembro de 1959, mas o que anda a acontecer para que estes casos sucedam e para que vivam, ouçam e leiam estas tristes notícias?

Em 2013, as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJ) acompanharam 71567 casos de crianças em possível risco e/ou perigo, um número que se afigura assustador tendo também em conta que ainda existirão muitas outras, como as que faleceram recentemente, que não estavam a ser acompanhadas pelos serviços competentes.

Em todas as reportagens sobre o falecimento desta bebé ouviram-se relatos de vizinhos da vítima, que pareciam já conhecer alguns pormenores da situação há algum tempo, mas que nada fizeram. Estes relatos causam-me ainda mais constrangimento e apreensão, pois reflectem uma sociedade desprovida de laços, de entreajuda, de afectos. Como se pode dizer que se ouviam gritos e choros constantes dias e dias e nada fazer para alterar a situação?

As denúncias de quem priva com as crianças ao nível dos cuidados de saúde, acompanhamento escolar, ao nível familiar e ao nível comunitário e de vizinhança são fundamentais para que possa existir uma defesa dos direitos das crianças. Tendencialmente considero que os portugueses não gostam de denunciar o que quer que seja, têm pudor, têm até diria algum preconceito e sentem-se mal na posição de denunciantes, contudo nestas situações é melhor meter a colher, e evitar as tragédias e situações de maus tratos e negligência.

Poderemos avaliar se o número de técnicos afectos às CPCJ's são os suficientes, de certeza que não são, mas todos podemos ajudar neste trabalho de defesa das crianças.

As crianças são indefesas, não têm voz e não se conseguem defender, compete-nos a todos ajudar a defender os seus direitos e fazê-los cumprir no nosso dia-a-dia em todos os quadrantes das nossas vidas.

Falar depois da tragédia acontecer parece ser o usual nestes casos, mas a culpa reside com quem compactuou com a negligência, com os maus tratos, com o dano grave. Podem não aparecer nas televisões ao denunciarem estes casos aos órgãos competentes, mas evitam que eles sucedam e se possam noticiar mais situações de bem-estar e de felicidade.

Sugerir correcção
Comentar