A lista de Scorsese

Um jovem cineasta pediu ao realizador de O Touro Enraivecido que lhe recomendasse alguns filmes essenciais, e Scorsese respondeu-lhe com uma escolha de 39 filmes europeus e japoneses.

Foto

Empenhado em aprofundar os seus conhecimentos da história do cinema, mas desejando fazê-lo com economia e critério, um jovem realizador, Colin Levy, achou que não perdia nada em pedir conselho a um mestre e escreveu a Martin Scorsese, pedindo-lhe uma lista dos filmes que deveria ver para alargar os seus horizontes cinematográficos. Para grande surpresa de Levy, um cineasta de vinte e tal anos, autor de três curtas-metragens e criador de efeitos especiais para alguns filmes alheios, Scorsese respondeu-lhe mesmo, enviando, através de uma assistente, uma lista de 39 filmes estrangeiros que presumivelmente considera essenciais.

A história circulava há algum tempo na Internet, mas como tinha tido origem num post colocado na rede social Reddit, muitos duvidaram de que esta espécie de playlist de Scorsese fosse genuína. Mas Colin Levy, que actualmente trabalha nos estúdios de animação da Pixar, confirmou-a ao site Cinephilia and Beyond, que publica o bilhete manuscrito que acompanhava o inventário de filmes, redigido e assinado por uma assistente de Scorsese  num cartão com o logótipo da sua produtora, a Sikelia Productions.

A lista foi reproduzida esta quarta-feira pelo blogue de cinema The Playlist – com este nome, era previsível –, que acrescenta ainda vídeos com excertos de todos os filmes citados pelo autor de O Touro Enraivecido ou A Idade da Inocência.

A lista, espécie de plano de educação cinematográfica em 39 degraus para benefício de aspirantes a realizadores, parece ter sido realmente feita de cabeça, o que acaba por a tornar ainda mais genuína. Scorsese inclui apenas os títulos dos filmes em inglês – em alguns poucos casos, opta pelos títulos originais –, sem indicação de autor ou data. Mas se se olhar para a ordenação dos filmes, fica-se com a impressão de que tentou respeitar mais ou menos a cronologia, ao mesmo tempo que se ia tentando lembrar dos filmes mais importantes pensando num país de cada vez.

Talvez por isso, cingiu-se a quatro cinematografias – a alemã, a francesa, a italiana e a japonesa –, excluindo, por exemplo, todos os cineastas russos ou escandinavos.

O realizador parece também não ter querido que as suas escolhas abarcassem o cinema mais contemporâneo. Os filmes mais antigos da lista são ambos de 1922 – Nosferatu, o Vampiro, de F. W. Murnau, e o Doutor Mabuse, de Fritz Lang – , e o mais recente, O Casamento de Maria Braun, de R. W. Fassbinder, é de 1979.

Tendo em conta as raízes familiares de Scorsese e o facto de ser autor de um notável documentário sobre o cinema italiano –  A Minha Viagem a Itália (2001) –, não seria de espantar que privilegiasse esta cinematografia, mas a verdade é que a sua lista inclui o mesmo número (11) de filmes italianos e franceses. Seguem-se os alemães, com 10, e os japoneses, com 7.

Numa lista tão reduzida, é também surpreendente que surjam tantos cineastas com mais do que um filme, o que novamente reforça a possibilidade de que estes filmes tenham sido escolhidos de memória. Jean-Luc Godard, Akira Kurosawa e Rainer Werner Fassbinder são os únicos cineastas de quem Scorsese inclui três filmes.

Seguem-se, com dois filmes, os italianos Roberto Rosselini, Luchino Visconti, Vittorio De Sica e Michelangelo Antonioni, os franceses Jean Renoir e François Truffaut, os alemães Fritz Lang, Wim Wenders e Werner Herzog, e ainda o japonês Kenji Mizoguchi. Os restantes eleitos, com um filme cada um (e por ordem de aparecimento em cena), são F. W. Murnau, Abel Gance, Marcel Carné, Jean Cocteau, Yasujiro Ozu, Mario Monicelli, Dino Risi, Bernardo Bertolucci, Claude Chabrol e Nagisa Oshima.

A par da rasura de realizadores que dificilmente se podem considerar negligenciáveis, mas que não pertencem a nenhuma das quatro cinematografias que Scorsese privilegiou – o russo Sergei Eisenstein, o dinamarquês Carl Theodor Dreyer ou o sueco Ingmar Bergman são alguns exemplos óbvios –, esta lista exclui ainda Federico Fellini, que talvez acabe por ser a ausência mais surpreendente.

Tudo somado, e tendo em conta que o princípio terá sido o de não incluir filmes americanos e ingleses, esta é uma lista com títulos que todos esperaríamos ver numa escolha de obras essenciais da história do cinema, mas temperada com um número suficiente de surpresas para garantir que não lhe falta um cunho pessoal.

Esta não é, definitivamente, uma lista anódina. Veja-se, para citar apenas um de vários exemplos possíveis, os três filmes que Scorsese escolheu de Fassbinder: duas obras da primeira metade dos anos setenta – O Mercador das Quatro Estações (1971) e O Medo Come a Alma (1974), e apenas uma, O Casamento de Maria Braun (1979), da fase final e mais conhecida do realizador alemão desaparecido em 1982.

E não faltam outras escolhas que dificilmente surgirão na generalidade dos infindáveis “tops” de filmes que pululam na Internet, de Tengoku to jigoku (High and Low no título inglês), de Kurosawa, ou Antes da Revolução, de Bertolucci, até O Carniceiro, de Chabrol, O Enforcamento, de Oshima, ou Ao Correr do Tempo, de Wenders.

Mas aqui vai a lista integral, tal como Scorsese a ordenou, para que o leitor possa ajuizar por si próprio:


Metropolis (1927), Fritz Lang

 

Nosferatu, o Vampiro (1922), F.W. Murnau

 

O Doutor Mabuse (1922), Fritz Lang

 

Napoleão (1927), Abel Gance

 

A Grande Ilusão (1937), Jean Renoir

 

A Regra do Jogo (1939), Jean Renoir

 

Os Rapazes da Geral (1945), Marcel Carné

 

Roma, Cidade Aberta (1945), Roberto Rossellini

 

Libertação (1946), Roberto Rossellini

 

A Terra Treme (1948), Luchino Visconti

 

Ladrões de Bicicletas (1948), Vittorio De Sica

 

Humberto D. (1952), Vittorio De Sica

 

A Bela e o Monstro (1946), Jean Cocteau

 

Viagem a Tóquio (1953), Yasujiro Ozu

 

Ikiru (1952), Akira Kurosawa

 

Os Sete Samurais (1954), Akira Kurosawa

 

Contos da Lua Vaga (1953), Kenji Mizoguchi

 

O Intendente Sansho (1954), Kenji Mizoguchi

 

Tengoku to jigoku (1963), Akira Kurosawa

 

Gangsters Falhados (1958), Mario Monicelli

 

Rocco e seus Irmãos (1960), Luchino Visconti

 

Os Quatrocentos Golpes (1959), François Truffaut

 

Disparem sobre o Pianista (1960), François Truffaut

 

O Acossado (1960), Jean-Luc Godard

 

Bando à Parte (1964), Jean-Luc Godard

 

A Ultrapassagem (1962), Dino Risi

 

A Aventura (1960), Michelangelo Antonioni

 

História de Um Fotógrafo (1966), Michelangelo Antonioni

 

Antes da Revolução (1964), Bernardo Bertolucci

 

O Carniceiro (1970), Claude Chabrol

 

Fim-de-semana (1967), Jean-Luc Godard

 

O Enforcamento (1968), Nagisa Oshima

 

O Mercador das Quatro Estações (1971), Rainer Werner Fassbinder

 

O Medo Come a Alma (1974), Rainer Werner Fassbinder

 

O Casamento de Maria Braun (1979), Rainer Werner Fassbinder

 

Ao Correr do Tempo (1976), Wim Wenders

 

O Amigo Americano (1970), Wim Wenders

 

O Enigma de Kaspar Hauser (1974), Werner Herzog

 

Aguirre, a Cólera de Deus (1972), Werner Herzog

Sugerir correcção
Comentar