Tratamento cura macacos do vírus de Marburgo, um primo do ébola

Tal como o vírus do ébola, o de Marburgo causa uma febre hemorrágica nos humanos e que mata facilmente. Uma equipa desenvolveu um tratamento que conseguiu tratar primatas já depois dos primeiros sintomas.

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Vírus de Marburgo visto ao microscópico electrónico Thomas Geisbert/Divisão Médica da Universidade do Texas

Ouve-se falar menos do vírus de Marburgo do que do ébola, mas ambos têm muitas semelhanças, a começar pela gravidade da infecção. No pior surto de Marburgo, em 2004 e 2005, na província do Uíge, no Norte de Angola, esta doença matou 227 das 252 pessoas infectadas, o que representa uma mortalidade de 90%. Não há nenhum tratamento aprovado para esta febre hemorrágica violenta, tal como não há para o ébola, que fustiga actualmente a África Ocidental.

Mas uma equipa de cientistas conseguiu travar o Marburgo com um fármaco inovador aplicado a macacos Rhesus já depois de terem surgido os primeiros sintomas, o que aponta a possibilidade de uso em pessoas. Este resultado é publicado hoje na revista Science Translational Medicine.

A história do vírus de Marburgo tem menos de 50 anos. O primeiro surto ocorreu na Europa, em 1967, nas cidades de Frankfurt e Marburgo (daí a origem do nome), na Alemanha, e em Belgrado, na ex-Jugoslávia. Em três laboratórios destas cidades, dezenas de trabalhadores ficaram doentes depois de terem estado em contacto com macacos infectados, importados do Uganda.

Este vírus estreava-se assim com sete mortes dos 31 doentes, uma mortalidade de 23%. Desde aí, houve mais 11 surtos (alguns afectaram só uma pessoa). A estirpe que apareceu em Angola, uma das cinco deste vírus, é a pior. O trabalho liderado por Thomas Geisbert, da Divisão Médica da Universidade do Texas, EUA, testou o tratamento contra esta estirpe.

“Demonstrámos a capacidade de proteger completamente os primatas contra a estirpe letal de Angola, mesmo quando o tratamento só foi iniciado ao terceiro dia [de infecção] – numa altura em que já é possível detectar o vírus [no sangue] e no início dos sintomas, o que mostra que pode ter utilidade no mundo real”, explicou o investigador numa conferência de imprensa.

O segredo é uma molécula de ARN de interferência. O ARN faz o trabalho que o ADN não pode fazer. O ADN, a molécula da vida que contém a informação genética, tem de estar guardadíssimo no núcleo das células, para não se danificar. Mas a sua informação é necessária para fabricar as proteínas do corpo. Para essa produção, existe o ARN, cujas moléculas são a “tradução” de pedaços do código de ADN. Depois, este ARN-mensageiro navega para o citoplasma da célula e a maquinaria celular usa-o para produzir as proteínas.

Os vírus também seguem este sistema, mas aproveitam-se da maquinaria das células para fabricarem as suas partes constituintes e assim se multiplicarem. É aqui que entra o ARN de interferência desenvolvido pela equipa de Thomas Geisbert. Esta molécula foi concebida para se ligar ao ARN-mensageiro de uma proteína fundamental que compõe o vírus de Marburgo. Em teoria, os cientistas esperavam que, ao bloquear o ARN-mensageiro dentro da célula hospedeira, isso iria impedir esta proteína de ser produzida. Resultado, o vírus não conseguiria multiplicar-se. E, de facto, foi isso que aconteceu.

A equipa usou 21 macacos Rhesus para o estudo. Todos foram infectados com a estirpe de Angola do vírus de Marburgo; cinco integraram o grupo de controlo que não recebeu o tratamento. Os 16 macacos restantes receberam o tratamento todos os dias durante uma semana, mas foram divididos em quatro grupos consoante a altura da primeira administração. Um grupo recebeu o primeiro tratamento entre 30 a 45 minutos após a infecção, o segundo um dia depois, o terceiro dois dias depois e o quarto três dias. 

Ao fim de sete a nove dias, os macacos do grupo de controlo morreram, mas todos os que tinham recebido o ARN de interferência sobreviveram. Nos humanos, os primeiros sintomas do vírus do Marburgo começam a aparecer entre o quinto e o décimo dia após a exposição ao vírus. “Nos macacos, o terceiro dia corresponderá ao sexto ou sétimo dia nos humanos”, disse o investigador.

Num hipotético surto de Marburgo, Thomas Geisbert explica que, se as pessoas em contacto próximo com doentes forem seguidas, seria possível aplicar o novo tratamento assim que fosse detectado o vírus no sangue. No futuro, a equipa vai testar o fármaco em primatas quatro dia após a infecção para saber se, mesmo aplicado mais tarde, o tratamento continuaria a resultar. “Haverá um ponto no decurso da doença em que nenhum fármaco conseguirá reverter os danos já feitos pela infecção”, explicou o cientista ao PÚBLICO.

Este ARN de interferência foi concebido para todas as estirpes do Marburgo. Ao demonstrar a sua eficácia na pior das estirpes, a equipa acredita que funcionará para qualquer uma. Contudo, este tratamento não deverá resultar para o vírus do ébola. Mas estes investigadores já tinham produzido um outro ARN de interferência para o ébola e que deu resultados em 2010.

“Mostrámos que podemos proteger macacos Rhesus do ébola quando damos ARN de interferência logo após o vírus [ser introduzido]. Mas não fizemos estudos para saber até que altura é que podemos adiar o início do tratamento”, disse Thomas Geisbert.

Estes estudos foram feitos em colaboração com a empresa Tekmira Pharmaceuticals. Esta empresa do Canadá detém o fármaco contra o ébola e em Janeiro de 2014 começou a fazer testes de segurança em pessoas saudáveis. No início de Agosto e no contexto do surto actual, a FDA (a agência dos EUA que aprova os medicamentos) alterou as normas do uso clínico deste fármaco, permitindo a administração a doentes com ébola.

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