Resgates de países europeus financiam operações de jihadistas em todo o mundo

Franceses e alemães são mais raptados do que norte-americanos ou britânicos, algo que só o negócio do resgate pode explicar.

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Presidente francês François Hollande recebe, em Abril, quatro jornalistas franceses que permaneceram sequestrados na Síria durante dez meses. Didier François e Nicolas Henin são o 2.º e o 4.º a contar da esquerda

Os Estados Unidos e o Reino Unido negoceiam com radicais que capturem civis ou militares dos seus países, mas têm uma linha vermelha: não pagam resgates. Países como a França, a Alemanha, a Áustria, o Qatar ou Omã recusam admitir pagar em troca da vida dos seus cidadãos, mas têm pago, e muito – pelo menos 94 milhões de euros entre 2008 e 2013, segundo uma investigação publicada no fim de Julho pelo The New York Times (49 milhões só no ano passado; sozinha, a França desembolsou 43,2 milhões no período analisado).

Os primeiros raptos – de jornalistas, funcionários ou voluntários de ONG, turistas – aconteceram há demasiado tempo para a data ter importância. Relevante é que, nos últimos anos, percebendo o dinheiro em jogo, grupos associados à Al-Qaeda têm vindo a desistir de exigências impossíveis (a queda do Governo da Argélia, por exemplo) e optado por pedir resgates.

Só o negócio dos resgates pode explicar que nos últimos cinco anos um terço dos raptados por grupos que se reclamam jihadistas globais sejam franceses, 20% venham de países relativamente pequenos (Áustria ou Suíça) e apenas 5% (três) sejam norte-americanos, de acordo com a mesma investigação do Times.

O jornal entrevistou dezenas de ex-reféns, diplomatas e membros de governos ocidentais, assim como políticos de países africanos ou árabes que actuam como intermediários na troca. “É evidente que a Al-Qaeda os seleciona segundo a nacionalidade”, diz Jean-Paul Rouiller, director do Centro de Formação e Análise de Terrorismo, de Genebra. “Os reféns são um investimento e ninguém investe sem saber que vai lucrar.”

O jornalista James Foley podia ter mais valor político do que monetário para o ISIS (Estado Islâmico do Iraque e do Levante), que entretanto se faz chamar Estado Islâmico. Mas os sequestradores do repórter (ou quem o tinha – os raptores costumam ser subcontratados) também sabiam que as possibilidades de conseguirem dinheiro eram escassas.

“O sequestro para obter um resgate já é a principal fonte de financiamento do terrorismo. Cada transação promove outra”, avisava, em 2012, David S. Cohen, secretário adjunto do Departamento do Tesouro dos EUA. O negócio tem pouco mais de dez anos e os seus ganhos têm substituído os donativos de multimilionários, a fonte de rendimento da Al-Qaeda inicialmente criada pelo saudita Osama bin Laden e pelo egípcio Ayman al-Zawahiri em 1988, numa localidade paquistanesa junto à fronteira afegã.

Zawahiri é hoje o líder do que resta do grupo inicial – o mesmo que rejeitou o ISIS e declarou que eram outros os seus representantes na Síria. O que a investigação do Times mostra é que raptos no Iémen (Al-Qaeda na Península Arábica), no Mali (Al-Qaeda no Magrebe Islâmico) ou Somália (milícias Shabab) são importantes a ponto de serem coordenados a partir do Paquistão e realizados com o mesmo protocolo.

Segundo os EUA, foi a Alemanha que pagou o primeiro resgate, em 2003, no Mali (os valores costumam surgir nos orçamentos nacionais como ajuda ao desenvolvimento). “O perigo não é só alimentarem o movimento terrorista mas tornarem todos os nossos cidadãos vulneráveis”, disse ao jornal de Nova Iorque Vicki Huddleston, ex-secretária adjunta da Defesa para Assuntos Africanos (embaixadora no Mali em 2003).

Esta quarta-feira, os jornalistas franceses Didier François e Nicolas Hénin revelaram ter conhecido Foley no cativeiro sírio. François foi capturado com o norte-americano e com ele permaneceu até ser libertado, em Abril. Foley, dizem, tinha “tratamento especial” por causa da nacionalidade. Segundo a revista alemã Focus, a França pagou em Abril 13,5 milhões de euros por quatro jornalistas, incluindo François. Paris desmente.

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