Passos desafia PS para fazer reforma da Segurança Social antes das eleições

Primeiro-ministro anuncia no Pontal que deixa cair a Contribuição de Sustentabilidade chumbada pelo Tribunal Constitucional.

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Fernando Farinha

Pedro Passos Coelho atirou pela primeira vez a toalha ao chão. Não fará mais nenhuma proposta de reforma da Segurança Social até ao fim da legislatura e desafia o PS para um trabalho a seis mãos até às eleições do próximo ano.

“Eu quero aqui garantir que, como primeiro-ministro, não farei rigorosamente mais nenhuma proposta para reformar a Segurança Social até às eleições de 2015”, afirmou o presidente do PSD e primeiro-ministro na festa do Pontal, já em tom rouco, ligeiramente zangado, sozinho no palco com o céu e o mar, escuros como breu, em pano de fundo.

“Os pensionistas deste país não merecem que todos os anos se esteja a tentar fazer o que os outros não deixam ou não consentem que se faça”, argumentou, depois de ter garantido que, ao contrário do que o acusam, não tem qualquer problema com os pensionistas. “O país é que tem [um problema de sustentabilidade do sistema da Segurança Social]”, disse Passos Coelho um dia depois de o tribunal Constitucional ter chumbado a nova contribuição de sustentabilidade que o Governo tencionava implementar no próximo ano.

“Como temos um problema nacional e temos que o resolver, então está na altura de dizer ao PS que estamos disponíveis, antes das eleições, para firmar uma reforma da Segurança Social que tenha o contributo do PS”, desafiou Passos Coelho. “E se está interessado em governar Portugal depois de 2015, aqui fica a nossa proposta séria: ganhe quem ganhar as eleições, a seguir a 2015 faremos a reforma da Segurança Social que pudermos [acertar] daqui até às eleições.”

O presidente do PSD espera mesmo de António José Seguro (ou de António Costa, caso ganhe as primárias de Setembro) uma resposta breve, pois disse acreditar que o PS, “no meio da disputa interna - que respeitamos - há-de ter tempo e oportunidade para dizer ao país o que pensa sobre a reforma da Segurança Social”.

Não o disse assim, mas Passos mostrou estar farto das negas que levou sucessivamente do Tribunal Constitucional – instituição que, aliás, nunca mencionou. “Aumentámos a idade da reforma, conseguimos que uma parte da receita da Segurança Social pudesse vir de um pequeno aumento da Taxa Social Única e do IVA. Propusemos fazer a convergência de pensões” do sector público com o regime geral, enumerou.

Mas esta “reforma bastante lata, de compromisso, em que aqueles que estão aposentados hoje perderiam uma pequena parte da sua pensão e aqueles que não são pensionistas pagariam a outra parte”, não chega. “Há quem diga que isto não é uma verdadeira reforma. Há quem pense que só há uma verdadeira reforma se não mexermos nos direitos adquiridos. Os jovens é que podem perder direitos, os outros não podem”, indignou-se.

“É uma estranha forma de ver a equidade. É uma estranha forma de ver a solidariedade”, ironizou Passos. “Mas que seja assim”, rematou.

Sobre o Tribunal Constitucional, nem uma referência directa. Mas várias indirectas. Como a da “incerteza jurídico-constitucional” com que as pessoas tiveram que viver permanentemente sobre o seu futuro. E quando disse que nos partidos e na sociedade em geral existe “gente que fica sempre presa ao passado”, até no seu partido – numa referência, entre outros, aos juízes apontados pelo PSD e que também têm chumbado as propostas do Governo.

 

Os “privilégios” e a “falta de ética

Não foi só o TC o único “fantasma” que pairou sobre o Pontal. Também o BES veio à lembrança da assistência quando Passos falou em privilégios e na relação demasiado próxima entre política e negócios que “existiu durante anos”.

Disse que se “vivia com uma economia em que certos privilégios se iam reproduzindo de ano para ano, por quem estava no Governo e por quem estava na banca e financiava a economia”. À medida que o tempo passa “vamo-nos apercebendo bem dos privilégios - para não dizer da falta de ética - de muita gente que vivia entre a política e os negócios e os negócios e a política" - aparentemente esquecendo-se de indicações recentes de nomes do PSD para a banca com o aval do Governo.

“Há muita gente na oposição que continua ligada nesse passado e acredita que talvez umas eleições próximas lhes permitam o regresso ao poder para que tudo posa voltar ao que era dantes”, criticou Passos Coelho, para se apressar a avisar: “Desiludam-se. Isso não acontecerá porque os portugueses não vão deixar.”

Na análise do chefe do Governo, tais situações estão a desaparecer e a emergir uma sociedade de “maior exigência”, em que se “reclamam direitos e deveres” e cada vez mais se “excluem os privilégios”, garantiu Passos. “Não é preciso ser-se amigo de quem está no Governo para poder ter empréstimos. A começar na Caixa Geral de Depósitos e a acabar na banca privada, esta economia nova que está a nascer é a melhor garantia de que o país não vai voltar atrás”, defendeu.

"Hoje começamos a perceber que por mais desagradável, por piores notícias que possam parecer algumas que nos invadem a casa à hora mediática dos telejornais, é melhor saber e enfrentar as más notícias do que varrer para baixo do tapete, fazer de conta e usar o dinheiro dos contribuintes para pagar a falta de ética, de escrúpulo", apontou Passos Coelho.

Que acrescentou: “Se não protegêssemos os contribuintes, apostássemos na independência dos reguladores, se não separássemos a política dos negócios, se não abríssemos a nossa economia ao exterior, então estaríamos a construir sobre bases podres”, justificou.

 

Portugal está “a meio” do que precisa fazer

Pedro Passos Coelho lembrou os tempos de extremas exigências e desafios que o país teve que enfrentar, que terão comparação com os finais do século XIX, quando Portugal entrou na bancarrota. Isso só não aconteceu agora porque houve uma “Europa solidária” e em muitos casos “mais pobre”, com “salários mais baixos” e “sem protecção social” e à qual Passos desfiou elogios e agradecimentos.

“Foram anos como nunca esquecermos”, admitiu. E elogiou, como tem feito sempre nos seus discursos quando fala do tempo da troika: “Os portugueses mostraram do que são feitos, [mostraram] que não viram a cara às adversidades, que não ficam a lamuriar-se, e sabem construir em cima do que recebemos.”

Ao contrário do que fez em 2010, quando estava na oposição e viabilizou PECs e orçamentos do PS, Passos queixou-se que nunca contou “com qualquer ajuda da oposição”. Mas apenas com a do povo “patriótico e corajoso que soube enfrentar todas as dificuldades”.

Hoje, Portugal tem “metade do défice público” de 2011, uma “balança externa equilibrada” e taxas de juro que “comparam com as melhores da zona euro”, descreveu. O que leva o país a “convergir para um padrão de confiabilidade” que garante que não passe a curto prazo, pelas mesmas dificuldades de 2011, observou o presidente do PSD e primeiro-ministro.

Mas também avisou que ainda se está “a meio do que precisamos fazer”, apesar de se terem corrigido os “desequilíbrios profundos” que este Governo “herdou”. Porque os números positivos do PIB, exportações e diminuição da taxa de desemprego não chegam ainda. A economia “não cresceu ainda o que desejamos e precisamos”, admitiu, apesar de ter registado um dos maiores crescimentos entre os 28. Porque o que é preciso também é construir uma sociedade e uma economia “muito diferentes” da de 2011. Sem os tais “privilégios” e a “falta de ética” com que apontou o dedo aos outros, varrendo também, por seu turno, para debaixo do tapete as ligações dos sociais-democratas.

 

 

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