Antes de Robin, Lenny, Andy, John e Chris também viveram perigosamente

O riso dos palhaços pode ter um preço pessoal exorbitante. Antes de Robin Williams, houve Andy Kaufman, Lenny Bruce, John Belushi ou Chris Farley. Extinguiram-se demasiado cedo.

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Lenny Bruce, Andy Kaufman, John Belushi e Chris Farley DR

Com mais de uma centena de papéis no cinema e na TV, Robin Williams foi um imitador e um criativo numa forma de exposição voraz que, recorda o colunista da Variety Brian Lowry, “é mais um lembrete de que o riso extraído por alguns dos nossos melhores palhaços muitas vezes surge com um preço pessoal exorbitante”. Andy Kaufman, Lenny Bruce, John Belushi ou Chris Farley são alguns desses que sorveram os dias e se extinguiram demasiado cedo.

Williams fazia imitações velozes e mash ups inesperados – Prince e Peter Pan, Truman Capote no infantário, Stallone como prostituta, Jacques Costeau num anúncio para uma petrolífera. Tudo à velocidade da luz, porque “corria uma maratona num sprint”, escreveu Robert Lloyd, crítico de TV do Los Angeles Times. E se descreve Robin Williams como um “dervixe [religioso maometano] rodopiante”, já Lenny Bruce era um “xamã cómico” para o professor de História Social Americana na Universidade de Boston.

“Se Jesus tivesse sido morto há 20 anos, as crianças dos colégios católicos usariam cadeirinhas eléctricas ao pescoço em vez de cruzes.” Lenny Bruce (1925-1966) escreveu textos para a Playboy que até hoje incomodam. Tal como Williams, recorria às imitações de figuras de Hollywood, de James Cagney a Peter Lorre. Mas só atingiria o estatuto d' “o mais doente dos doentes” dos comediantes na década de 1950, embebendo os seus números de contracultura Beat. Incómodo, pouco afável, ocupava um espaço de negrume em palco com a sua figura esguia e a crítica mordaz. Morreu de overdose aos 40 anos, mas antes descreveu-se assim: "Às vezes olho para a vida na casa dos espelhos da feira. Vejo-me como uma inteligência profunda e incisiva, preocupada com a humanidade dos homens para com os homens. E depois vou até ao espelho seguinte e vejo uma besta pomposa e subjectiva cujo humor dificilmente é espiritual. Vejo vestígios de Mefistófeles. Todo o meu humor é baseado em destruição e desespero”. Saindo em sua defesa quando dos seus problemas com a justiça, o poeta Allen Ginsberg mobilizou um texto de apoio em que Lenny era enquadrado como “um performer popular e controverso no campo da sátira social na tradição de Swift, Rabelais e Twain”.

Uma moca incrível
Tal como Dustin Hoffman foi Lenny Bruce em Lenny (1974), de Bob Fosse, também Jim Carrey foi posto ao serviço da loucura de Andy Kaufman em Homem na Lua (1999), de Milos Forman. Foi o encontro de novas gerações com a vida e a obra de "um dos mais interessantes casos de performance art", como descreveu em 2010 ao PÚBLICO Robert J. Thompson, do Centro Bleier para a Cultura Popular da Universidade de Syracuse.

Conforme a encarnação, Kaufman era desarmantemente trágico em palco na pele do estrangeiro que não comunicava claramente ou feérico ao limite na imitação de Elvis Presley. A sua personalidade e a sua persona mesclavam-se ao ponto de os fãs duvidarem da sua morte de cancro em 1984, aos 35 anos. Kaufman sempre foi taxativo quanto ao alcance da sua pulsão cómica: “Não estou a tentar ser engraçado. Só quero mexer com as cabeças deles”.

Lenny Bruce está nas origens dessa tradição, que encontrou nas décadas seguintes seguidores igualmente traídos pelas vidas rápidas do palco. “A comédia pode ser única na natureza pessoal do exercício, especialmente no stand-up, em que nada há a não ser o performer e um microfone. Poucos artistas estão tão expostos ou tão solitários no prosseguir da sua arte”, postula Brian Lowry, o colunista da Variety, a propósito de Robin Williams, recuperando exemplos como o de John Belushi ou Chris Farley.

Em 1978, Belushi era a estrela de Animal House - A República dos Cucos. O seu pasto era o excesso, algumas vezes autobiográfico, muitas vezes envolto na névoa de festa que partilhava com Robin Williams e, semanalmente, com milhões em Saturday Night Live - o programa de TV de cujo elenco fundador fez parte e no qual trabalhou com Bill Murray, Chevy Chase ou Dan Aykroyd. Tornara-se um dos mais excessivos comediantes dos EUA, “o Bruce Lee da comédia”, nas palavras do actor Tracy Morgan, pela sua capacidade de arriscar até ao limite. Morreu em 1982 de overdose no hotel Chateau Marmont, em Los Angeles. Williams foi uma das últimas pessoas a vê-lo com vida. Belushi tinha 33 anos. 

O risco era também a matéria de Chris Farley que, na década seguinte, marcaria um certo ritmo da comédia na TV e no cinema. Tal como Belushi e Bruce, o comediante foi vítima das drogas - aos 33 anos, como Belushi. “Por vezes tem parecido através dos anos que, quanto mais brilhante a luz da sua comédia, mais torturados e atormentados podem ser quando as câmaras param de filmar”, escreveu Brian Lowry.

No final da década de 1970, os lares americanos ainda se familiarizavam com o veloz mas amigável Williams e ele descrevia os palcos como algo para “quebrar a depressão” do fim de uma relação e como “forma de libertação emocional” - mas também “uma moca incrível”, “como fazer carreirinhos em ondas gigantes”, uma “loucura legal”. “Podemos tornar-nos todas as nossas fantasias.” Um diário norte-americano escrevia sobre as suas actuações: “É especialmente gratificante vê-lo viver perigosamente”.

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