Um raio de um actor

Seis meses depois de Philip Seymour Hoffmann, desaparece Robin Williams - alguns filmes exploraram a dimensão mais negra da sua "persona", e aquele gelo que se instala quando aparece um cómico que não vem para nos fazer rir.

Parece que voltámos aos anos 20 da Hollywood Babylon: seis meses depois da morte de Philip Seymour Hoffman por overdose, há outro óbito não natural a registar entre os actores da primeira linha do cinema americano — Robin Williams, que segundo as informações disponíveis se terá suicidado.

Para muita gente, sobretudo aqueles que cresceram entre o final dos anos 1980 e a década de 1990 (que foi "a década" de Robin Williams), era a mais familiar das presenças, indissociável da infância e juventude: poucos actores terão, durante esses anos, trabalhado tanto e tão especificamente para um público de crianças e jovens adolescentes. Era essencialmente um cómico, o seu rosto "borrachoso" — os mais velhos lembrarão o Popeye que compôs para Robert Altman em 1980, talvez o filme mais importante no início da sua carreira — facilitando as carantonhas e as transformações, como o travesti de um dos seus filmes mais célebres, Mrs. Doubtfire. Mas era também um entertainer, com formação no humor televisivo, e os filmes que, no final da década de 1980, o ergueram definitivamente à primeira linha do cinema americano faziam apelo a essas qualidades, à sua capacidade para o one man show: o Bom Dia Vietname de Barry Levinson, onde fazia um animador de rádio, e sobretudo O Clube dos Poetas Mortos, onde fazia o professor que inspirava os seus alunos e inspirou - como um "clássico moderno" do cinema para a juventude - várias gerações desde então.

Como tantos outros cómicos, a imagem pública de jovialidade e boa disposição era assombrada por tendências pessoais menos esfuziantes. Em vários momentos da sua vida teve problemas de álcool e de drogas, e é dele uma máxima imbatível, que em cima da hora não conseguimos confirmar mas cremos que não será apócrifa: "A cocaína é a maneira que Deus tem de te dizer que estás a ganhar demasiado dinheiro". Alguns filmes exploraram a dimensão mais negra da sua "persona", e aquele gelo que sempre se instala quando aparece um cómico que não vem para nos fazer rir: o Insónia de Christopher Nolan, o One Hour Photo de Mark Romanek, ambos de 2002. Em todos os pontos do arco da sua versatilidade, o rasto que deixa - a obra que deixa - não é nada insignificante: filmes de alguns dos mais populares cineastas das últimas décadas, como, em lista não exaustiva, Spielberg, Coppola, Gilliam, Van Sant, Woody Allen. Também por isto, por esta constante modulação, havia frequentemente um lado indecifrável na sua presença, como se desafiasse o espectador a tentar compreender "que raio de actor" era aquele, tão "maleável", tão igualmente capaz do máximo gelo como da maior empatia. Era, sobretudo, uma "personalidade", um actor que inventou o seu próprio carisma. Algo que vai rareando neste tempo de "estrelas" fotocopiadas umas das outras. Sentiremos a sua falta. Crítico de cinema

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