Cientistas portugueses descobrem mecanismo imunitário envolvido no cancro dos ovários
Certas células imunitárias, que deviam proteger-nos das agressões, podem ser usadas contra nós pelos próprios tumores malignos.
Uma equipa de cientistas liderada pelo Instituto de Medicina Molecular (IMM) de Lisboa descobriu, em experiências com ratinhos, que determinadas células imunitárias, que geralmente protegem o organismo de infecções, também ajudam no desenvolvimento de cancro dos ovários.
Bruno Silva Santos, que coordenou equipa, explicou à agência Lusa que “a interacção entre dois tipos de células do grupo dos glóbulos brancos” – os linfócitos T gama-delta e os macrófagos peritoneais – promove o crescimento do cancro do ovário”. Assinado em primeiro lugar pela doutoranda Margarida Rei, também do IMM, esta descoberta é publicada esta segunda-feira na revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences, e teve ainda a participação de investigadores do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto e do Reino Unido.
O investigador português esclareceu que os linfócitos T gama-delta produzem uma molécula, a interleucina-17, que “vai recrutar” os macrófagos e “levá-los para o sítio do tumor”, causando a formação de vasos sanguíneos que “vão fornecer alimentos ao tumor, que cresce mais depressa”. O que o tumor faz é “raptar o mecanismo protector” dos linfócitos T gama-delta e dos macrófagos peritoneais contra infecções e “usá-lo a seu favor”. “Estes macrófagos conseguem promover directamente o crescimento de células de cancro de ovário”, acrescenta Bruno Silva Santos, agora citado num comunicado do IMM.
Os linfócitos T gama-delta e os macrófagos peritoneais são considerados muito importantes para a protecção natural do corpo contra microrganismos, em particular fungos e bactérias. Ora o que acontece é que a resposta do organismo “é aproveitada pelo tumor para favorecer o seu crescimento”.
“Como tal, [o estudo] identifica novos alvos terapêuticos para futura intervenção na clínica com o objectivo de neutralizar este eixo pró-tumoral e assim reduzir o seu impacto”, sublinha, ainda no comunicado, Bruno Silva Santos.
Por exemplo, poderiam extrair-se do organismo os linfócitos T gama-delta ou a molécula interleucina-17 para tentar travar a progressão do tumor. “Se tivermos um doente com cancro, o que queremos é impedir o desenvolvimento do tumor. Vamos tirar estas células e esta molécula para impedir o desenvolvimento do tumor. Sabendo à partida que o doente vai ficar mais susceptível a uma infecção fúngica ou bacteriana, podemos controlá-la com recurso a antibióticos.”
Sobre os benefícios terapêuticos da descoberta, Bruno Silva Santos referiu que já estão a ser testados em ensaios clínicos anticorpos para neutralizar a interleucina-17, responsável pelo desenvolvimento de doenças auto-imunes. Os anticorpos podem ser úteis no tratamento – por imunoterapia – do cancro.
O cancro dos ovários está entre os 12 cancros com maior prevalência e é a sétima causa de morte mais frequente nas mulheres a nível mundial, refere o comunicado. Em Portugal, aparecem por ano de 5,3 por 100 mil mulheres e a mortalidade anual é de 3,2 casos por 100 mil mulheres.
O próximo passo da equipa de Bruno Silva Santos é verificar se o mesmo mecanismo imunitário está presente noutros tipos de cancro, sem ser o dos ovários. A este propósito, o investigador referiu que um estudo recente de cientistas chineses tinha concluído que, em doentes, os linfócitos T gama-delta estão associados a um mau prognóstico no cancro do cólon.