A chefiar a Defesa está um catavento, concluem antigas altas patentes

Ex-chefes dos ramos das Forças Armadas criticam ministro Aguiar-Branco.

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Aguiar-Branco considera existir um "Estado social absorvente" Daniel Rocha

Falta apenas a promulgação das duas leis pelo Presidente da República, pelo que o tema está praticamente encerrado. Mesmo assim, a revisão da Lei de Defesa Nacional (LDN) e da Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas (LOBOFA) deixou a hierarquia militar descontente com o ministro da Defesa, Aguiar-Branco.

Na prática, a revisão reforçou os poderes do Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas (CEMGFA) sobre os ramos do Exército, Marinha e Força Aérea. O que já tinha sido um dos aspectos centrais das alterações levadas a cabo em 2009.

Foi no processo de preparação dessa lei que tanto o almirante Melo Gomes como o general Pinto Ramalho – na qualidade de chefes da Marinha e Exército – expuseram “a sua oposição a quem de direito”, recordou Melo Gomes. E foi o almirante quem confirmou ao PÚBLICO que “o porta-voz do principal partido da oposição nessa altura” deu a entender que “concordava com a posição dos três chefes”. Esse porta-voz era, recordou, Aguiar-Branco. Contactado também pelo PÚBLICO, o general Pinto Ramalho confirma a posição do actual titular da pasta.

Melo Gomes não deixa de assinalar a mudança em Aguiar-Branco. “Passados cinco anos, as posições inverteram-se e a política mudou”, surpreende-se o ex-chefe da Marinha. E Pinto Ramalho regista ainda que Aguiar-Branco, com a sua revisão, “queria ir ainda mais longe” do que a lei acabou por ir no reforço dos poderes do CEMGFA. “Na política acontecem destas coisas. Porventura, na altura, o agora ministro disse aquilo que pensava que gostaríamos de ouvir”, analisa Pinto Ramalho.

Ainda assim, na visão dos dois antigos chefes, o processo legislativo – discussão na especialidade no Parlamento - conseguiu “mitigar” algumas das propostas mais “perniciosas” da proposta que o ministro fizera chegar à Assembleia da República. As duas altas patentes estiveram entre as entidades que o Parlamento quis ouvir em audição antes de votar as leis.

E apesar disso, tanto Melo Gomes como Pinto Ramalho consideram que o resultado não é positivo. “As Forças Armadas não podem estar sujeitas a reformas de cinco em cinco anos”, alerta o almirante. A “concentração” de poderes no CEMGFA, adianta o general, vai resultar numa “interferência desnecessária e inconveniente” nos ramos, indo “para além do que seria razoável”. Na opinião de Pinto Ramalho, o reforço de poderes faz com que o CEMGFA passe de “comandante operacional” para “comandante de ramos”.

Uma concentração “imprudente” que Melo Gomes explica: “Sou apologista da ideia que quatro cabeças pensam sempre melhor que uma. A História militar ensina-nos que os grandes desastres militares resultam quase sempre de uma cabeça iluminada”. Pinto Ramalho pensa da mesma fora. “Quando as coisas dependem apenas de uma pessoa, existe um risco perverso”, alerta.

Mas Pinto Ramalho não critica apenas o reforço de poderes do CEMGFA em relação aos chefes de ramo. Alerta ainda para o impacto negativo de se ter transformado o Conselho Superior Militar e o Conselho de Chefes em meros “órgãos consultivos”.

Melo Gomes critica ainda o excesso legislativo. “Quiseram legislar tudo. Basta ir ao artigo que define as competências do CEMGFA e vê que as letras do abecedário já não chegam”, afirma

O almirante assinala ainda “o objectivo não explicitado” desta revisão: o da “separação da Marinha da Autoridade Marítima”. “A dada altura, numa das redacções dos projectos chegaram a mudar o nome da Marinha para Armada”, critica. O almirante reconhece que a versão final “ficou melhor”, mas alerta que essa separação é um “crime de lesa-pátria”, lembrando que a “racionalidade económica do conceito do duplo-uso [utilização da Marinha tanto em missões militar como não-militares, como protecção civil, ambiental ou investigação científica] é inatacável”.

Alterações feitas na especialidade
Depois da votação na generalidade, a LDN e a LOBOFA desceram à comissão de Defesa para debate na especialidade. Foi aí que, através da iniciativa dos partidos – tanto à esquerda como à direita –, foi possível “mitigar” algumas das alterações. Na proposta de Aguiar-Branco os militares eram abatidos do quadro no caso de se candidatarem e ocuparem cargos políticos. A solução final encontrada foi a de ficarem em requisição de serviço, regressando às fileiras no termo dos mandatos políticos.  

Da mesma forma foi revista a medida que permitia ao CEMGFA chamar a si os comandos de componente. Na redacção final essa transferência acontece, mas depois o chefe do ramo colocar a componente sob o comando do CEMGFA. 

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