Jihadistas de grupos ligados à Al-Qaeda estão a juntar-se ao Estado Islâmico no Iraque

Grupo combate em cinco frentes. Ataques americanos no Curdistão são um primeiro revés.

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Os combatentes curdos já conseguiram recuperar algumas posições ao EI SAFIN HAMED/AFP
Membros da minoria Yazidi refugiados em Dohuk, Norte do Iraque
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Membros da minoria Yazidi refugiados em Dohuk, Norte do Iraque SAFIN HAMED/AFP

Uma sucessão de vitórias e ganhos no terreno estão a tornar o Estado Islâmico, o grupo radical que tomou partes do Iraque e da Síria, num íman para jihadistas de grupos ligados à Al-Qaeda.

Responsáveis norte-americanos dizem que o número de combatentes a mudar de lado não é ainda muito grande mas a tendência é preocupante e deverá “aumentar enquanto o IS continuar a acumular vitórias”, dizia um responsável sob anonimato ao Washington Post. O imediatismo da progressão do IS também é importante, contrastando com a propensão da Al-Qaeda e grupos relacionados para optarem por ataques complexos que demoram muito tempo a preparar.

A preocupação surge numa altura em que os Estados Unidos entraram, pela primeira vez, directamente no conflito com o grupo, que avançava rapidamente para Erbil, a capital do Curdistão iraquiano, onde estão americanos e petrolíferas, e ameaçava milhares de iraquianos de minorias religiosa.

Os Estados Unidos voltaram a bombardear posições do IS no que foi descrito como uma campanha longa que é parte de um esforço humanitário para proteger os yazidis e cristãos quando se ouvem descrições aterradoras de crimes contra estas minorias.

A intervenção americana levanta questões: “Vai aumentar o fluxo de jihadistas ou pará-lo?” questionava um responsável de contra-terrorismo sob anonimato ao Post. Se uma pedra no caminho do avanço do IS o pode tornar menos atractivos aos olhos dos que querem juntar-se a um movimento aparentemente imparável, um confronto directo com os EUA também tem um enorme poder de atracção para o jihadismo global.

O Estado Islâmico terá, estimam peritos norte-americanos, até 10 mil combatentes, incluindo entre 3 e 5 mil de países estrangeiros para além da sua base no Iraque e Síria. Os mais recentes membros têm vindo da Al-Qaeda na Península Arábica, grupo com base no Iémen e que protagonizou várias tentativas de ataques contra os EUA, e a Al-Qaeda no Magrebe Islâmico, que da Argélia passou para o Mali antes de ser afastada por tropas francesas, e ainda islamistas não ligados directamente a grupos, por exemplo, alguns combatentes líbios.

Num artigo de opinião, o analista Hussein Ibish alertava para o perigo de que o EI se torne “numa figura importante numa paisagem política árabe em evolução” com a sua “história de sucesso islâmico”. Por isso, “tem de ser atacado com método e a sua mística tem de ser destruída”, para que a promessa, que até agora parece estar a ser cumprida, de “ganhos políticos militares e políticos” caia.

Para Ibish, isso exige não só intervenção americana como árabe – dos países que afinal poderão ser afectados pelo EI, que nas últimas duas semanas acumulou combates já em cinco frentes: contra o exército iraquiano, os peshmerga do Curdistão, o regime sírio, a oposição síria e o exército libanês.

No Observer, o analista Toby Dodge avisa contra a tentação de apresentar o IS como um movimento de fanáticos religiosos da era das trevas. Apesar do fanatismo religioso, o que os move é uma inclinação para ganhar poder onde há um vazio, para conquistar terreno onde é possível. “O que é crucial não são ódios antigos mas o colapso do poder do Estado”, nota.

Yazidis resgatados

No Curdistão iraquiano, os ataques americanos permitiram a primeira aparente reversão no terreno, com os combatentes curdos a voltarem a hastear a sua bandeira em localidades antes tomadas pelos jihadistas e a conseguirem escoltar para o Curdistão, ainda que tendo de contornar as posições do IS indo até à Síria, pelo menos metade dos civis que estavam encurralados numa montanha por combatentes do IS.

Enquanto a aviação americana, e também a britânica, lançavam ajuda humanitária, a situação era ainda muito difícil no cimo da montanha de SInjar, com caves que poderiam servir de abrigo cheias de corpos de pessoas que não conseguiram sobreviver ao calor e sem água ou alimentos. Alguns sobreviventes descreveram ao Telegraph como, na fuga ao EI, deixaram para trás familiares demasiado fracos ou prestes a morrer.

Das estimadas 40 mil pessoas que conseguiram chegar ao topo do monte Sinjar, entre 20 a 30 mil já estavam a ser levadas para segurança por combatentes curdos. Trata-se de curdos da minoria yazidi, um culto pré-islâmico que os islamistas consideram “adoradores do diabo”.

As autoridades iraquianas descreviam entretanto alguns crimes que os jihadistas  terão cometido na sua progressão pelo Norte do Iraque. “Temos provas evidentes obtidas de yazidis que deixaram Sinjar e de alguns que escaparam à morte, e também imagens do local do crime que mostram sem dúvida que os grupos do Estado Islâmico executaram pelo menos 500 yazidis depois de tomarem Sinjar”, disse à Reuters Mohammed Shia al-Sudani. Entre as vítimas, havia mulheres e crianças que foram enterradas vivas, continuou o ministro. Há ainda informações de cerca de 300 mulheres terem sido levadas como escravas.

Não foram só os yazidis a fugir dos jihadistas: entre os cristãos de Qarqosh, uma cidade onde antes viviam 50 mil, restavam 30 a 35 pessoas. “Em que séculos estamos?”, perguntava uma cristã iraquiana em fuga do IS numa reportagem da BBC.

 

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