Escolas sentem-se prejudicadas por leis tardias que não têm em conta "realidade do país"

Relatório da Inspecção-Geral da Educação e Ciência recomenda alteração do número mínimo de alunos por turma. Burocracia e leis vão voltar a atrapalhar arranque do ano lectivo, diz Associação de Dirigentes Escolares.

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Dirigentes Escolares antevêem arranque do ano novamente difícil Foto: Nelson Garrido

Turmas com menos alunos do que o previsto por lei sem a devida autorização, publicação “tardia” de legislação, o que dificulta a organização de Actividades de Enriquecimento Curricular e a colocação em prática dos programas, directores com processos disciplinares por terem posto professores a dar apoio educativo em vez de os enviarem para o concurso de mobilidade interna. As irregularidades constam do relatório da Inspecção-Geral da Educação e Ciência da Organização sobre o ano lectivo de 2013-2014 e a maioria não espanta o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, Manuel Pereira, para quem as complicações decorrentes das leis e das burocracias afectam sempre os arranques dos anos nas escolas: “Este ano vai-se pelo mesmo caminho”.

Entre outras recomendações, o relatório frisa que se deve publicar os “normativos atempadamente” e, tendo em conta a quantidade de turmas que funciona com menos alunos do que o previsto por lei, devia avaliar-se “a eficácia e a eficiência dos limites estabelecidos”.

Numa primeira fase – que vai de finais de Julho a 9 de Agosto e que decorreu em 75 unidades orgânicas –, a inspecção verificou que a preparação do ano lectivo de 2013-2014 foi condicionada pela publicação tardia de decretos-lei, o que provocou “dificuldade na implementação da nova matriz curricular” e “indefinição na organização das Actividades de Enriquecimento Curricular”, no 1.º ciclo. Havia turmas que não estavam previstas na rede escolar e “com um número de alunos inferior” àquele que está estipulado, o que carece de autorização da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE)”.

“Por exemplo, as turmas no 1.º ciclo teoricamente não podem ter menos de 26 alunos. Teoricamente, porque nas escolas do interior do país, com 20 e tal alunos, faz-se uma turma com 18 e outra com seis ou sete, tem de ser. A legislação não pensa na realidade do país, as circunstâncias das escolas e das regiões são muito diferentes”, explica Manuel Pereira.

Na segunda fase da elaboração deste relatório – entre 30 de Setembro e meados de Novembro e em 223 unidades orgânicas -, a dimensão de grupos/turmas continuava, de uma forma geral, “muito abaixo do limite fixado no normativo”. E 69,8% das turmas no 1.º ciclo do ensino básico careciam de autorização da DGEste, para poderem ser constituídas com um número de alunos inferior ao previsto por lei. No 2.º ciclo, eram 44,9%; no 3.º havia 50,2%; e nos cursos profissionais 64%. Verificou-se ainda que em 75% das escolas o projecto educativo e o regulamento interno não incluíam os critérios de natureza pedagógica para a constituição de turmas. “Nas escolas procuramos fazer projectos educativos com poucas páginas para serem fáceis de consultar. Mas depois, quando a inspecção chega, o que não estiver escrito não existe. É um problema do país. Reina a burocracia, tem de se pôr tudo no papel. E depois são projectos educativos com dezenas e dezenas de páginas”, nota Manuel Pereira.

Pouca autonomia
No 1.º ciclo, as áreas geográficas do Centro (53,1%) e do Alentejo (39,9%) têm a percentagem mais elevada de turmas com menos de 20 alunos. Por exemplo, e entre outros níveis de ensino, em 4819 turmas do 1.º ciclo só 16% tinham 26 alunos, o número previsto na lei. Com mais de 26 alunos havia 1,2% das turmas e as restantes tinham menos de 26. No 2.º ciclo, em 2435 turmas, 33,6% cumprem o número indicado por lei, entre 26 e 30 alunos. Com mais, havia 0,2%, tudo o resto está abaixo. No 3.º ciclo, em 3492 turmas, 32,3% estavam de acordo com o intervalo indicado legalmente, entre 26 e 30 alunos. Com mais de 30, havia 0,2% e, novamente, todas as outras estão abaixo dos 26 alunos.

Foi na distribuição de serviço dos docentes do 1.º ciclo que se verificou “o maior número de irregularidades, nomeadamente na atribuição de horas/horários para apoio educativo aos alunos, em detrimento do não envio destes docentes, sem turma atribuída, para o Concurso de Mobilidade Interna”. E houve directores de escolas que chegaram a ter processos disciplinares por isso. A grande maioria dos procedimentos de natureza disciplinar instaurados (17) deveram-se à “omissão de indicação de docentes para o Concurso de Mobilidade Interna”. Manuel Pereira diz que a inspecção entende que os docentes sem horário têm de ir para o concurso e que há directores que entendem que podem colocar esses professores no apoio educativo. Mais uma vez a situação não o espanta: “Pode repetir-se este ano”, diz.

“O Ministério fala cada vez mais em autonomia, mas a autonomia que a escola tem é para cumprir a regulamentação. Em relação ao essencial sobra pouco para a autonomia. As decisões são tomadas por obrigação de cumprimento de despachos e portarias, independentemente da realidade das escolas e regiões”, diz Manuel Pereira. Explica que a legislação é vasta e “intrincada” e que, por vezes, se publicam despachos iniciais e, depois, “outros para tirar dúvidas”. “As escolas têm, por vezes, dificuldade em pôr em prática o que os despachos querem. [As leis e a burocracia] dificultam o arranque dos anos lectivos. É sempre um dos problemas que temos, é tentar interpretar a lei e adaptá-la às escolas. Mas há graves problemas na interpretação da lei, é preciso um licenciado em Direito para interpretar os despachos de organização do ano lectivo”, nota.

Na terceira fase do processo de inspecção (com dados ainda por tratar), apesar de, na generalidade, terem sido “respeitadas as recomendações relativas aos incumprimentos”, ainda havia “alguns pedidos de autorização” relativos às turmas com poucos alunos “a aguardar resposta”. Além disso, “as situações de incumprimento que envolviam horários dos docentes, nomeadamente horas indevidamente contratadas decorrentes de uma distribuição de serviço pouco eficiente, atribuição do cargo de director de turma na componente não lectiva de estabelecimento, e a não indicação de docentes para o concurso de mobilidade interna, continuavam a ser difíceis de regularizar”.

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